Urariano Mota, Direto da Redação
Carlos havia, pensava,
enterrado os seus mortos - passo necessário para esquecê-los. O problema é que
vez por outra as almas dos defuntos voltavam. Batendo à porta, ou esperando-o à
frente da pensão. O endereço haviam conseguido pela voz do próprio Carlos, que
por excesso de sinceridade fora imprudente. Apareciam, voltavam. Na pessoa do
irmão, com os cabelos revoltos e face de adolescente que descera aos infernos. Acompanhado,
era fatal, das notícias de um mundo que deveria estar soterrado. Carlos nem
precisava ouvi-lo. De olhos fechados, em penitência, calava, que o tema,
introdução e desenvolvimento já eram conhecidos. Uma voz, num fluxo de mágoa,
descia:
- Carlinhos - dizia-lhe o
irmão, coçando-se sucessivas vezes no peito. - Carlinhos, a situação lá em casa
tá preta.
E Carlos pontuava, ao ouvir
um silêncio de pausa que era mais que um regatinho choroso:
- Sei.
- Eu tenho feito de tudo pra
arranjar um emprego - continuava o irmão, e, de olhos fechados, Carlos sabia
que esse “tudo” resumia-se à declaração da impossibilidade de conseguir um
emprego. - Mas eu tô sem roupa, um emprego bom fica difícil. Os meninos não me
emprestam mais as roupas deles, eles pensam que eu tenho sarna.... Carlinhos?
...
- Sei.
- Eu deixei de beber ...
assim, eu tô bebendo muito pouco, quase não bebo. Eu só leio Dostoiévski.
- Sei.
- Papai já nem reclama. Ele
passa o dia todo calado. Olha, tem dia que eu almoço na casa de Jorge, outro
dia eu vou à casa de Bete, pra almoçar eu me viro. Ando a pé, não tenho nem a
passagem do ônibus .... Carlinhos? Esse disco de Sidney Miller é bom? Se eu tivesse
um toca-discos...Carlinhos? - E agora vinha o desfecho, inevitável: - Você me
arruma algum dinheiro?”
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