Todo mundo é bonito


Ana Elisa Ribeiro, Digestivo Cultural

“Não é bem assim, eu sei. O que é bonito para você? Não sei. Não me perguntem o que vejo em todo mundo que me parece prazeroso, mas eu vejo. Melhor: eu tenho visto. Não é sempre assim. Talvez eu não tenha me apercebido de que os detalhes costumam ser melhores do que o conjunto da obra. Às vezes o contrário: o todo é melhor do que as partes, sem ser sequer a soma delas. Não é. E isso sem falar no jeito, no charme ou na ginga, na aura ou no clima, que fazem com que a beleza aumente ou diminua. Isso sem falar que a trilha sonora melhora muita cena. Que o título amplia o sentido do texto. Que a qualidade da tinta nem sempre sustenta o quadro.

Dia desses falávamos, em dois ou três num conversê à toa, dentro de um carro ou numa mesa de bar, não me recordo, sobre o padrão. Não, não era nada disso. Era um almoço pós-trabalho, num restaurante comum em Brasília, quando tivemos tempo de falar de coisas cotidianas. E ali estávamos dois mineiros, um carioca, um paulista e um paraibano falando da beleza, das pessoas e dos delírios de lindeza. Na diversidade de nós mesmos, ali, naquela mesa tão improvável, já fazíamos parte da amostragem propensa aos gostos e às modalizações mais outras. Um paraibano de olhos claros, um carioca muito magro, um paulista de cabelos lisos, um mineiro forte e uma mineira Frida Kahlo. E dizíamos do que a publicidade reforça que a cultura não deixa. Neste mundo de imprudentes padrões A ou B, a nossa existência genotípica desobediente ajuda a atrapalhar as campanhas para que sejamos mais ou menos iguais. Quem não levou uma foto da atriz ao cabeleireiro? Faça assim, por favor? Meus resultados foram sempre trágicos porque meu cabelo é brasileiro, enquanto a atriz era europeia. Quem não invejou um braço, uma perna ou um peito? Mas quem é que traz essas sensações de que o que eu tenho não serve de modelo? Que o digam estas sobrancelhas atípicas, que às vezes querem que eu desbaste... mas só quando não estão na moda. Minha alegria mais sossegada é quando Malu Mader, Patrícia França ou Marisa Monte estão na moda, saem nas capas e dão entrevistas. As sobrancelhas cheias podem dormir em paz, até a próxima novela.

É dizer que bonita é a lourona peituda. É dizer que bacana é o macho polígamo. É dizer que magrelas são preferíveis a gorduchas. É dizer que cabelos lisos são o sonho de consumo de um país inteiro de encaracoladas. É dizer que homens altos estão em falta. É dizer que não gosto de artifícios e mal uso batom. É dizer que homens preferem as carnes aos ossos. E assim fomos tecendo uma tarde inteira de recomeços sobre a beleza.

Se a publicidade reforça um estilo Juliana Paes ou Carolina Dieckman, nossas vidas vão nos ensinando as rechonchudas que comem hambúrguer com batata frita. É na estria que a mulher se confirma? Não. É na celulite, muito desconhecida dos rapazes, que não sabiam nem diferenciar coisa de outra. São aquelas rajadas ou aquelas bolinhas? Eu quero é pegar.

E lá íamos nós atravessando as bonitezas todas, quando chegamos à negação do padrão publicitário. Sentimos muito, Gisele, mas a minoria é só no banheiro. Aqui pra nós só vemos coxas que balançam e peitos de todos os tamanhos e jeitos. Caímos na gargalhada ao lembrar que sobrancelhas, cílios e bocas têm seus afetos e delícias. Todos.”
Artigo Completo, ::Aqui::

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