Menalton Braff, Revista Bula
"A claridade é pouca, mas me incomoda, mesmo
assim não consigo ficar de olhos fechados. A luz deve ser do sol e emana de
maneira difusa das quatro paredes do quarto. A porta está muda, pelo menos é o
que a chave em seu orifício está querendo significar. Mal consigo ver as telas
de que o Roberto tanto se orgulha e que são a expressão de seu gosto pelo
kitsch, colocadas em simetria rigorosa em volta da tapeçaria da parede aqui ao
lado. Não é justo, isto não está certo. Tento me fixar em uma delas, mas o que vejo
é fruto da memória: claridade insuficiente. Estar na cama a uma hora em que a
cidade se move nervosa, as pessoas se movem nervosas, e mesmo os automóveis se
movem nervosos, isso me escandaliza. Eu precisava, contudo, para que a
consciência me deixasse em paz, dar mais esta oportunidade ao meu ex, como
agora já posso me referir a ele. A sensação, entretanto, de estar na cama a
esta hora, é a de estar praticando um ato ilícito. Ou pior: imoral. E pensar
que muitas outras vezes estivemos aqui, fizemos amor nesta mesma hora, e saímos
leves, meio tontos, prontos para rir das pessoas que se moviam nervosas, numa
cidade trepidante.
Jogou o corpo flácido para o lado e dormiu,
sem se dar conta dos cheiros que deveriam ser do amor e que agora não passam de
vestígios do sexo com que tenta me reter. Ronca a meu lado, sua perna direita
dobrada por cima do meu quadril. Há muito eu vinha dizendo, Não dá mais,
Roberto, isso tem que acabar.
Nossas diferenças me irritavam,
principalmente as divergências a respeito das coisas miúdas, de que o Roberto
jurava jamais abrir mão. Que a busca da harmonia, sim, o difícil encontro
entre seres tão mergulhados em seu passado, que tal esforço caberia a mim. E
não me dava uma razão para que me coubesse a parte mais áspera de nossas relações.
Apesar do sacrifício, eu ia aceitando porque me consumia no incêndio da paixão,
e nada do que me pedisse eu deixaria de fazer.
Com aquela voz distorcida e metálica do
telefone, ele me disse estar certo de que eu reveria minhas posições, que tinha
argumentos irrefutáveis. Respondi que não, Roberto, isso tem de acabar. Ele
insistiu, quase chorou, e mais uma vez acabei cedendo. Tola, só quando abriu a
porta, um sorriso vencedor brilhando em seu rosto, foi que desconfiei da
natureza de seus argumentos: seu corpo em que saliências e reentrâncias, os
torneados, tudo fazia parte de uma compleição perfeita para a sedução. Me
esperava de cueca para expor melhor o que de melhor ele tinha.”
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