Marcelo Franco, Revista Bula
“A arte contemporânea é esse grande
pós-nada e, ainda assim, é best seller nas livrarias, lota cinemas e é vendida
a preços estratosféricos nas galerias. Nosso tempo é o de vanglória por causa
de textos de 140 caracteres
Dos meus vícios (há tantos!), talvez o
menos condenável seja a leitura de cartas. Pois estou com sorte para cultivar
minhas manias: a Companhia das Letras acaba de publicar “O Rio É Tão Longe”,
coletânea de cartas de Otto Lara Resende para Fernando Sabino (e também
relançou “Bom Dia Para Nascer”, agora com 74 crônicas a mais do que na primeira
edição). As cartas de Otto podem ser lidas em conjunto com as cartas do próprio
Fernando, publicadas pela Record em 2002 (“Cartas na Mesa”). É o que venho
fazendo e o que me motivou a pensar nos velhos escritores mineiros — dos quais
também há tantos.
(Parênteses imediatos para uma das minhas
costumeiras digressões: sou não apenas leitor, mas também escritor constante de
cartas. Desde que conheci R., há quase seis anos, enchi-a de cartas. Ah, a
propósito e sem propósito: por conta dos meus textos anteriores aqui na “Bula”,
recebi várias mensagens nas quais os leitores perguntam quem seria R. Respondo:
R. é alfa e ômega.)
Otto, prolífico no que escrevia aos amigos,
dizia-se “o último cidadão que ainda se dedica a este gênero obsoleto que é o
epistolar”. Já Fernando Sabino, com apenas 22 anos, lamentava a passagem do
tempo: “Sim, é verdade que um tempo nosso se encerrou. Somos homens, não somos
mais meninos do Trianon, meninos do Viaduto, dos porres, das placas de rua, de
cadeados, até mesmo de vitrines de chapelaria. No fundo, se a gente pensar bem,
triste tentativa de sentir de novo um tempo que passou, nada mais” (Otto,
Fernando e seus amigos trocavam placas de identificação de casas e cadeados de
portões). E os dois fofocavam, contavam histórias, lamentavam, riam, choravam,
amavam e odiavam nas cartas — essa facúndia escrita lança dúvidas sobre o
alegado comedimento mineiro. Sobretudo, eles, tomados de irresistível “cacoethes
scribendi” desde a infância, comentavam livros, e é essa compulsão literária
que me espanta nos mineiros de então. Por isso, busco-os nas coletâneas de
cartas, romances e livros de memórias que deixaram.
Fernando Sabino e Otto Lara Resende faziam
parte, por assim dizer, da segunda geração de modernistas mineiros. Antes
deles, houve os amigos que frequentavam o Café Estrela e o Bar do Ponto em Belo Horizonte
(“solo sagrado”, segundo Pedro Nava), de onde escrutinavam as senhoras,
procuravam os cadáveres nos armários dos santarrões da Tradicional Família
Mineira e atacavam os passadistas: Drummond, Emílio Moura, Pedro Nava, Milton
Campos, Gabriel Passos, Abgar Renault, Gustavo Capanema, João Alphonsus e
outros, além dos menos assíduos, como Cyro dos Anjos e Afonso Arinos. De lá
saíram as fantásticas memórias de Pedro Nava, a poesia universal de Drummond, a
política sensata e honesta de Milton Campos e Afonso Arinos. (Milton Campos,
como governador, lamentava não poder falar mal do seu próprio governo — uma
arte mineira —, mas permitia que os seus correligionários o fizessem; sem
dúvida, um sábio homem. E Cyro dos Anjos, com certeza lembrando-se das farras
com os amigos, criou um dos mais famosos inícios de livro da literatura
brasileira em “O Amanuense Belmiro”: “Ali pelo oitavo chope, chegamos à
conclusão de que todos os problemas eram insolúveis”.)”
Artigo Completo, ::Aqui::
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