“Maikon poderia vir a ser um traficante de
fronteira, ou um grande homem, nas artes ou na ciência. É nesse profundo
mistério que se sepultou seu destino. O corpo, resgatado do lixo, voltou ao
barro de que todos nós viemos, ricos e pobres, orgulhosos uns, humilhados
outros.
Mauro Santayana, Carta Maior
Este deve ser o conto de natal de nossos
tempos. Os dois meninos foram catar material reciclável no lixão de Campo
Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Uma das máquinas empurrou a massa de
detritos, para fazer espaço – e os soterrou. Um deles, mais ágil, conseguiu
escapar. Maikon Correa de Andrade, de nove anos, ficou sob o lixo, e seu corpo
foi encontrado muitas horas depois pelos bombeiros.
Maikon deve ser um dos milhares de máicons que receberam esse nome em homenagem a Michael Jakson, porque é assim que alguns ouvidos registram o nome do ídolo. Um dia, a mãe de Maikon deve ter sonhado destino de riqueza e de glória para o filho, e, nessa esperança, dado ao recém-nascido o nome de uma estrela. Maikon não sabia cantar, não sabia dançar – e talvez nem soubesse catar alguma coisa que prestasse no meio do lixo. Ele poderia ter pisado em uma agulha de seringa e se ter contaminado de alguma doença fatal, como já ocorreu a muitos. Mas poderia ter encontrado alguma coisa ainda precariamente servível, como um brinquedo jogado fora. Ou, apenas, teria recolhido restos de metal, fios de cobre, coisas de estanho e chumbo, para serem vendidos a intermediários, e destinados à reciclagem. Se Maikon conseguiu alguma coisa, não a tinha em suas mãos, rijas depois de tantas horas já mortas.
A morte de Maikon é um conto de Natal, sem a ternura dos relatos de Dickens ou de Mark Twain – mas é também a parábola negra do novo liberalismo triunfante. Somos uma sociedade que se dedica a produzir lixo.
As mercadorias que chegam ao mercado são, quase todas elas, lixo. Começamos com a embalagem – e essa civilização pode ser considerada a “civilização da embalagem” – tanto mais inútil quanto mais sofisticada. A essência da mercadologia – ou do marketing, se preferirmos – é a embalagem, trate-se de manteiga ou de candidatos a cargos eletivos; trate-se de hospitais ou de calistas. Todos os produtos, que a embalagem embeleza, são também lixo em sursis: concebidos para durar pouco. A idéia da reciclagem, fora a dos metais, é recente. Trata-se de um escamoteio da consciência, a de que o meio ambiente pode ser preservado com esse expediente esperto do capitalismo.”
Maikon deve ser um dos milhares de máicons que receberam esse nome em homenagem a Michael Jakson, porque é assim que alguns ouvidos registram o nome do ídolo. Um dia, a mãe de Maikon deve ter sonhado destino de riqueza e de glória para o filho, e, nessa esperança, dado ao recém-nascido o nome de uma estrela. Maikon não sabia cantar, não sabia dançar – e talvez nem soubesse catar alguma coisa que prestasse no meio do lixo. Ele poderia ter pisado em uma agulha de seringa e se ter contaminado de alguma doença fatal, como já ocorreu a muitos. Mas poderia ter encontrado alguma coisa ainda precariamente servível, como um brinquedo jogado fora. Ou, apenas, teria recolhido restos de metal, fios de cobre, coisas de estanho e chumbo, para serem vendidos a intermediários, e destinados à reciclagem. Se Maikon conseguiu alguma coisa, não a tinha em suas mãos, rijas depois de tantas horas já mortas.
A morte de Maikon é um conto de Natal, sem a ternura dos relatos de Dickens ou de Mark Twain – mas é também a parábola negra do novo liberalismo triunfante. Somos uma sociedade que se dedica a produzir lixo.
As mercadorias que chegam ao mercado são, quase todas elas, lixo. Começamos com a embalagem – e essa civilização pode ser considerada a “civilização da embalagem” – tanto mais inútil quanto mais sofisticada. A essência da mercadologia – ou do marketing, se preferirmos – é a embalagem, trate-se de manteiga ou de candidatos a cargos eletivos; trate-se de hospitais ou de calistas. Todos os produtos, que a embalagem embeleza, são também lixo em sursis: concebidos para durar pouco. A idéia da reciclagem, fora a dos metais, é recente. Trata-se de um escamoteio da consciência, a de que o meio ambiente pode ser preservado com esse expediente esperto do capitalismo.”
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