A pior coisa que já escrevi na vida

Eberth Vêncio, Revista Bula

“Tamburello... Narcisa tem sobrenome de curva assassina e — graças às vinte e três cirurgias plásticas realizadas com o famoso cirurgião anabolizado Doutor Roliúde — cultivou um corpo também curvilíneo, moldado com vários emiéles de silicone, lipoesculturas que deixariam Michelangelo estupefato e as massagens do Gustavão.

Atenta às tendências consumistas do mercado, às avalanches de lixo dos realiti-chous e às irrelevâncias do viver, aliada ainda a minha evidente falta de criatividade e do que escrever, a Revista Bula escalou este cronista para permanecer 24 horas (sem direito a pedir para sair...) ao lado da mulher rica Narcisa Tamburello (Nota: antes de se casar com o senil e milionário Comendador Apolinário, Narcisa sonhava em ser modelo, escritora, atriz, cantora, bailarina, apresentadora de televisão ou famosa).

Eu preferia ter sido escalado para Alcatraz, Carandiru, As Curvas da Estrada de Santos, ou mesmo para o Congresso Nacional. Mas, como os dois primeiros já estão desativados, Roberto Carlos não abre mão dos direitos autorais, o Congresso é muito perigoso, e eu precisava de dinheiro para comprar meus antidepressivos, aceitei encarar mais esta pedreira.

Se eu fui capaz de ler o livro do Eique Batista até o final, por que não poderia enfrentar uma realiti-crônica com aquela socialiate? Então, com vocês, um meu dia desperdiçado ao lado mulher rica Narcisa Tamburello. 

07:00 hs — Estou parado em frente à mansão dos Tamburello há exatos trinta minutos. É claro que Narcisa e o Brasil ainda não despertaram de seus berços esplêndidos. Somente os cães rotivaileres vêm morder os meus ossos enquanto aguardo. 

09:00 hs — Narcisa é despertada com um afago do Comendador Apolinário. “Comendador” remete à “dor”, então, Narcisa comenta que amanheceu com dor de cabeça e uma vontade danada de não fazer sexo com ele. O Comendador não admite desperdiçar outro comprimido azul e transa com ela mesmo sem consentimento. 

09:02 hs — O Comendador goza. Narcisa dirige-se ao toalete da suíte e toma um banho refrescante. Ela detesta o odor de líquido fecundante logo pela manhã. 

10:00 hs — Narcisa faz o desjejum e reclama de tudo: que o café está ralo, que o leite está frio, que o pão está murcho e que a manteiga tem gosto de ranço. Acostumada a tantas humilhações e ao fato de trabalhar sem ter a Carteira de Trabalho assinada, Sebastiana, a cozinheira trazida do Maranhão aos 16 anos, indicada por um Senador amigo do Apolinário, e responsável pelo turno matutino, já havia cuspido previamente dentro da garrafa térmica, a fim de se vingar da patroa. 

11:00 hs — Narcisa sai dirigindo uma suvi importada em direção à academia de ginástica (se fosse para a Academia de Letras, daria na mesma...). Durante o trajeto, ela raspa novamente a lateral do automóvel no portão de casa, fura dois sinais vermelhos e estaciona numa vaga para idosos, embora tenha completado 50 anos recentemente, em concorrido fofa-toba no Jóquei Clube, com direito a show pirotécnico, chuva de pétalas durante a valsa, jantar tailandês para oitocentos talheres, e Elimar Santos cantando a Ave Maria (Avelineide Maria, auxiliar de cozinha do bufê).”
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