Estar, verbo intransitivo


Willian Vieira, Carta Capital / Envolverde

“Como assim, não está no Facebook?” Nos olhos curiosos, a lembrança do tempo em que se tinha controle do próprio tempo lampeja como um tweet. Verdade que dura só um segundo, o ciúme do tempo alheio. 140 milissegundos. “Mas nunca esteve ou saiu? Ah, entendi.” Feito um gato arremessado ao obscuro mundo do não, o ego virtual cai de pé, sempre. E sendo o site a aplicação empírica das teorias sobre a inflação do ego em tempos de cliques e bites, a inveja se transmuta em pena, travestida em desprezo – algo entre o que se sente por uma criança de orfanato e um viciado recorrente no chão da Avenida Paulista. Pobre outsider, não sabe o que perde.

Até que o discurso pasteurizado e homogeneizado com os ganhos profissionais, pessoais, sentimentais e existenciais que só a rede faz por você brota da caixinha, pronto para beber. Como o Winston Smith de 1984 ou o Bernard Marx de Admirável Mundo Novo, o narrador descobre, atônito, que nesse tempo ditado por um sistema que formata o acesso às experiências da vida de todos, ignorá-lo é atitude transgressora, politicamente incorreta – e chata. “Só os chatos não têm Facebook”. Os sem coragem para adentrar o portal por medo de não sair. Caretas virtuais. Categoria na qual eu me sentia pra lá de confortável. Até surgir esse bendito blog.

Estar ou não estar, eis a questão que surgia. Faria sentido escrever crônicas virtuais sem ver sua reverberação (ou a ausência completa dela, o que já seria uma resposta) no Face? Não, concluíram por mim os amigos. “Não inventaram nada melhor para encontrar pessoas e manter contatos e divulgar o próprio trabalho, etc., etc., etc.”, garantiu esse ser amorfo de mil vozes fundidas num consenso de caixinha UHT.

Abrir ou não meu perfil, eis a questão que ressurgia. Meus dados estavam lá, desde quando, seis meses atrás, eu saíra do Facebook. Pois sim, eu estive, por um mês fiz parte da loucura coletiva. É justamente a lembrança do tempo em que perdi o controle do tempo que eu queria evitar. Mas assumir o medo não ajuda. Antes faz da atitude algo ainda mais (anti)revolucionário. Pois bradam os paladinos do mundo virtual: renegar as redes sociais em tempos de meio bilhão de usuários é cimentar a entrada da caverna e reduzir as representações possíveis a um arremedo de sombra real. Não adianta argumentar com o receio da despersonalização frente à modernidade líquida do capitalismo, teorias sobre a economia do tempo para deficitários de atenção ou o caráter biográfico na constituição do sujeito – é preciso estar, verbo intransitivo.”
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