A imprescindível necessidade de se apontar sempre um culpado para tudo


Eberth Vêncio, Revista Bula

“Nos velhos filmes americanos de drama ou suspense, quando um crime ocorria, quase sempre a culpa recaía sobre o mordomo. Ora, na história brasileira, salvo melhor juízo, jamais prevaleceu esta cultura das famílias abastadas acorrerem aos mordomos. No mais das vezes, uma governanta vinda do norte, de pele escura, pobre, semianalfabeta, e que trabalhava praticamente em regime escravo. Um subterfúgio muito utilizado no passado consistia em “pegar uma criança pra criar”, a fim de transformá-la na empregadinha da casa. Caridade ou pura má fé?

Voltando ao cinema, até que se provasse em contrário, a culpa era sempre do mordomo e ponto. Uma vez que a vida imita a arte, e muitos fazem questão de se omitirem o tempo inteiro, vivemos a perseguir mordomos invisíveis na brabeza do cotidiano. Quando falimos, quando pisamos na bola, a culpa é sempre de alguém, exceto de nós mesmos. Desde os deslizes mais simples e bestas, até tragédias horrendas, para o conforto da alma é imprescindível que alguém seja responsabilizado.

Passei as últimas férias com a família no litoral nordestino e posso afirmar a vocês que descansei mais que deputado federal. Foi uma maciota sem tamanho. Apesar do clássico desarranjo intestinal por causa do desacostume com o óleo de dendê e outras iguarias nordestinas, até que o pacote valeu em muito a pena. O contentamento só não foi pleno (e vocês sabem o quanto é espinhoso aos pais agradarem os seus tiranos filhos adolescentes) porque uma criança morreu afogada numa das gostosas piscinas do hotel.

Desde que não seja diversão para neonazistas, em qualquer circunstância, notícias de crianças mortas são sempre uma merda. Quem, em sã consciência, imagina sair em férias com a família e voltar pra casa com um dos filhos embalsamado dentro de uma urna? É uma situação deplorável, mas acontece. E aconteceu.

Chocados, com as pálpebras edemaciadas, os olhares perdidos na infinitude da dor, um ar meio abobado, esquizofrênico, e se sentindo como personagens de um pesadelo sem fim, os pais culparam o hotel. Alegaram negligência, inoperância, lentidão, incapacidade. Em nota oficial, o hotel garantia que o afogamento não passava de uma terrível fatalidade. “Nunca antes na história deste hotel, um fato como este ocorreu...”, comentou o porta-voz, fazendo, sem perceber, uma analogia política que não tinha a mínima graça naquele contexto.”
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