Vá ver se eu tô na esquina. Mas tome cuidado


Eberh Vêncio, Revista Bula

“Por um instante, o jovem teve um desejo sincero de dar cabo do vil ali mesmo, no meio da rua, alvejá-lo na cabeça (teve tempo de se lembrar da famosa foto do vietcong sendo fuzilado a meio palmo em Saigon, 1968), descarregar um 38, crivar aquele corpo deseducado com balas e, por último, chutar a sua cabeça assim que tombasse no asfalto.

Notem: em brigas corporais, quando alguém deseja ferir definitivamente outro alguém, quando alguém que está possuído de ódio (seria o capeta, irmã?!) por outro alguém (aquilo a que denominamos, singelamente, da boca para fora, como “ódio mortal”), sempre visa a atingir a cabeça. Coisa de principiante, convenhamos. Cabeças são estruturas nobres, porém protegidas por arcabouço ósseo da maior dureza. Corações, não. Corações são órgãos moles, literalmente. Para matar mesmo há que se acertar em cheio o coração (lembro-me perfeitamente de meu pai detalhar este fato enquanto sangrávamos um porco com um canivete às vésperas do natal).

Mas o rapaz não possuía armas de fogo. Nem faca. Nem punhal. Nem um cabo de machado feito com guatambu (sabiam que muitos carregam dentro dos carros porretes de madeira para trucidar inimigos no trânsito?). Aliás, àquela altura da vida, além do pobre e escandaloso leitão de sua meninice, o máximo que conseguira matar foi uma aula de trigonometria, ao pular o muro da escola. Urinou nas pernas de tanto apanhar do pai com lasca de pneu de caminhão.

Continuando: lembrou-se daquela vez em que saiu com os primos pelo pomar da fazenda da avó a fim de matarem rolinhas, pássaros pretos, periquitos ou calangos reluzentes de rabo verde. Durante a caçada, desferiu uma estilingada despretensiosa, mas acertou o cocuruto de um periquito no alto da goiabeira. O bicho ruiu às prestações, despencando de galho em galho, de forquilha em forquilha, agarrando-se em qualquer estrutura que encontrasse pelo caminho a fim de escapulir da morte iminente.

Apavorado com a agonia do animal que estrebuchava aos seus pés descalços de menino, catou o pássaro e iniciou uma espécie de reanimação improvisada ao lavar a sua cabeça verde com a água gelada do rego que cortava o quintal. Graças a Deus (naqueles dias ainda cria em Deus e no Homem do Saco), o periquito se refez do ataque e voou grogue, desbalanceado.”
Artigo Completo, ::AQUI::

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