Desejo estéril

Vicente Escudero, Digestivo Cultural


“Nova Iorque, a capital mundial da vida noturna. Isso significa alguma coisa? O que se entende por vida noturna? Uma soma de entretenimento com as horas vividas fora do trabalho? Considerando que a concepção de entretenimento é tão extensa quanto a de prazer, a vida noturna de Nova Iorque pode ser reduzida ao entretenimento adulto, o único lugar do mundo onde os prazeres de todos os sentidos podem ser satisfeitos com a quantidade certa de dinheiro. A capital cosmopolita original, o destino da peregrinação de sonhos e abrigo de pesadelos possui uma vida noturna que não exige apenas o cartão de crédito. Ela também cobra um preço da personalidade. Tornar-se o objeto do desejo exige a renúncia a certos valores particulares. Uma quantia que está fora dos limites financeiros. A melhor definição dessa equação entre cidade e obsessão é musical, cantada em cool jazz por Carey Mulligan, em Shame: Se eu alcançar o sucesso lá / alcançarei em qualquer lugar / Só depende de você / New York / New York.

E são as horas fora do trabalho que definem o protagonista de Shame, Brandon, interpretado pelo mesmo Magneto de X-Men: Primeira Classe. A dupla formada pelo diretor Steve McQueen e o ator irlandês Michael Fassbender trabalhou antes em Hunger, outro estudo de personagem extraído das ideias mais perversas sobre a tortura do ser humano presentes na Divina Comédia de Dante Alighieri. Brandon é bonito, tem um ótimo emprego, Brandon tem um apartamento em Manhattan. Brandon coleciona pornografia e busca o sexo com a mesma disciplina de um cão farejador procurando drogas. E alcança a mesma eficácia canina com uma disposição tão primitiva quanto animal. Em certo momento do filme, Brandon insinua a uma de suas várias conquistas que uma cicatriz em sua nuca é na verdade uma estrutura vestigial dos neandertais. Quase um ato falho. Na verdade, a estrutura vestigial é interna; é o funcionamento predatório de seu apetite sexual, intenso o suficiente para diminuir qualquer outro interesse em sua vida, seu verdadeiro elo ancestral.

Nova Iorque à noite. O título do filme surge sobre a cama de Brandon no momento em que a cortina de seu quarto é aberta, iluminando o espaço onde ele consome sua droga e é consumido. A vergonha do hábito só existe quando exibido à luz do dia. Depois, a escuridão. Seja nos corredores do escritório onde trabalha ou nas andanças pela cidade, Nova Iorque está sempre às escuras, escondendo as sombras com a mesma eficiência que Brandon esconde seus hábitos das pessoas mais próximas. Um cativeiro meticuloso. Dentro de seu apartamento, quase uma reprodução de um quarto de hospital decorado com todos os tons de cinza existentes, Brandon recebe prostitutas, consome pornografia pela internet e se masturba no restante do tempo. Parece não ter escolha. Discute-se a possibilidade do vício sexual ser uma doença. Independente da resposta, seja qual for o diagnóstico, o sexo é toda a vida de Brandon.

O diretor não apresenta explicações sobre as histórias dos personagens. Steve McQueen iniciou sua carreira nas artes visuais, talvez o motivo mais plausível para a economia dessas informações na trama. Sabe-se o essencial: a vida de Brandon é o sexo e um pequeno tremor inesperado, seguido por um terremoto, parecem ser o início de sua derrocada e de sua salvação. Primeiro, seu computador é retirado do escritório para manutenção, revelando todo o histórico de sua perversão à assistência técnica da empresa. Em seguida, a irmã de Brandon, Sissy, interpretada por Carey Mulligan, aparece e se hospeda em seu apartamento, sem previsão de partida.”
Artigo Completo, ::AQUI::


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