Sobre o direito de dizer merda

Flávio Paranhos, Revista Bula

“Você já ouviu falar em Richard Millet? Provavelmente não. Ele é (era, até há pouco) membro do comitê de leitura de uma das mais prestigiosas casas editoriais francesas, a Gallimard. Enfim, não é (era) pouca porcaria não. Mas Millet é também um escritor. E, ainda e sobretudo, um boçal. Um eminente, gigantesco, grotesco, escroto boçal.  Autor do panfleto de 18 páginas intitulado  "Eloge littéraire d'Anders Breivik" (não publicado pela Gallimard, diga-se), por meio do qual faz um "elogio" a Anders Breivik, "fruto tanto da ruína familiar, quanto da fratura ideológico-racial que a imigração extra-europeia introduziu na Europa". Mas quem é Anders Breivik, mesmo? Outro boçal, um norueguês que achou por bem matar um monte de gente em nome de sei lá o quê, já que não importa o que ele diga que o motivou, só tem charme para seus semelhantes na submentalidade — como Millet.

A partir da publicação dessa obra (no sentido escatológico da palavra), instalou-se uma barulhenta polêmica na França que, estranhamente, teve pouca repercussão por aqui. Resumirei um pouco disso. Quem se interessar por detalhes deve acessar o mecanismo de busca do "Le Nouvel Observateur", que tem bastante material.

Comecemos por algo que precede a publicação do panfleto, mas que já o prenunciava. Num programa de TV (trecho disponível aqui) Millet se diz preocupado com a "identidade francesa", "ameaçada" pelos imigrantes, particularmente os negros. Cita como exemplo o fato de se sentir incomodado por ser um dos poucos brancos na estação de metrô e RER (um metrô maior e que vai a lugares mais distantes) Chatelet Les Halles (a estação próxima ao Pompidou). Confrontado com os demais convidados do programa sobre o que seria "identidade francesa", é obrigado a ouvir o óbvio: quem seriam os bárbaros? Os europeus, que invadiram e colonizaram África e Américas, ou os africanos e americanos que, "misturados", voltaram ao continente velho? Isso sem falar no fato de que não é verdade que em Chatelet les Halles há menos brancos do que "o resto". Arno Bertina e Oliver Rohe, do Nouvel Observateur, tiveram a pachorra de ir lá conferir.

E eu mesmo posso dar um testemunho. Na estação RER de Auber, presenciamos, eu e minha esposa, uma cena estúpida de violência. Uma senhora e sua filha adulta jovem, brancas, entraram no trem discutindo com um rapaz negro. Motivo: aparentemente ele não tinha dito "com licença" ou algo do tipo. A senhora não parava de gritar com o rapaz, e piorou mais ainda quando, no tumulto para entrar no trem, a filha quase ficou de fora, e o coitado do rapaz estava próximo. Só que ele e mais um monte de gente. Essa senhora parecia uma histérica e não descansou enquanto não deu um soco no peito do rapaz. Aí ele se enfezou e a empurrou. Nesse momento, alguns homens que estavam mais próximos (todos brancos) ficaram do lado da senhora (acho que mais por ser mulher, do que propriamente branca). O que aconteceu ali? Um bárbaro negro ofendeu uma civilizada branca francesa genuína? Não. Aconteceu o que acontece em qualquer lugar lotado. A civilidade vai pras cucuias. Não há fleuma que resista. E, sim, a maioria era de brancos. Homogeneamente incivilizados.”
Artigo Completo. ::AQUI::

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