J. C. Guimarães, Revista Bula
“Jorge Luis Borges escreveu, em “A
Biblioteca de Babel”, que “nalguma estante de algum hexágono (raciocinaram os
homens) deve existir um livro que seja a cifra e o compêndio perfeito de todos
os demais”. Tal livro, contextualizado, é Deus ou um simulacro de Deus. Inspirado
no símbolo borgiano, proponho ao leitor deste suplemento um análogo de
proporções mais modestas; outro livro — literalmente falando — que ambicionou
compendiar todos os demais (de valor), foi escrito em português e se encontra
no Brasil, onde foi também redigido, entre 1944 e 1945. O autor que o engendrou
é de algum modo fantástico, e Borges o depararia num crítico — mais coerente
falar aqui em historiador da literatura — nascido no império austro-húngaro no
ano de 1900, chamado Otto Maria Carpeaux: o homem que leu quase tudo. Não é
tanto exagero assim, se nos valermos de uma evidência concreta, bem ao alcance
das mãos: a “História da Literatura Ocidental”, sua obra mais importante.
“Livro” ou “biblioteca” é uma permuta
aceitável para designar essa obra, na qual estão encerrados os mais importantes
e até muitíssimos livros desimportantes de uma área inteira do conhecimento
humano: a literatura. Longe de ser o único assunto que o erudito discutia com
propriedade, já é o bastante para causar na gente verdadeiro espanto. A começar
pelo tamanho invulgar. A obra divide-se em 4 volumes, 10 partes — excluindo-se
o prefácio —, e 35 capítulos distribuídos por 2.844 páginas de conteúdo,
abrangendo uma quantidade vultosa de escritores, entre nomes totalmente
desconhecidos e os canônicos: todos estes, até a data da primeira publicação,
em 1959. O percurso coberto se abisma de Homero, no século oitavo antes de
Cristo, até Eugen Gomringer, poeta teuto-boliviano concretista da década de
1950. Sem nenhum favor ou chauvinismo, “História da Literatura Ocidental” é,
com certeza, o mais completo painel da arte verbal de todos os tempos, em
qualquer língua.
Deve existir, por certo, mas ninguém melhor
do que Carpeaux nos dá a impressão cabal de abrangência em torno de um assunto.
Despreza o padrão usual, que prefere o exame particularizado de casos ou, mesmo
em história, julga prudente os cortes cronológicos menos extensos, sob o
irreplicável argumento de que ninguém pode esgotar qualquer assunto. E mesmo
quando os estudiosos tencionam cobrir uma história do início ao fim, os
resultados cobrem as evoluções “nacionais”, no máximo, tornando praxe um padrão
herdado da historiografia romântica. Exemplos dessa natureza são numerosos
(portanto comuns) e abundam em qualquer país, podendo-se, entre nós, citar uma
infinidade de congêneres da “História Concisa da Literatura Brasileira”, de
Alfredo Bosi. Mas escrever uma história da literatura que comporte a evolução
de quase todas as literaturas nacionais (para ser exato: estilos e obras) — de
um hemisfério!?”
Artigo Completo, ::AQUI::
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