Eberth Vêncio, Revista Bula
“Faz-se pertinente e justíssimo o seguinte
preâmbulo: o erotismo (ou a pornografia, sei lá, alguém aí, por favor, me
acuda!) ficou mais brocha com a morte da atriz holandesa Sylvia Kristel. Corroída
aos 60 anos de idade por um câncer de garganta, Sylvia gozou (sem trocadilhos,
senhores!) de enorme popularidade em motéis, saunas, cinemas e banheiros
domésticos do mundo inteiro, por conta da lasciva personagem Emmanuelle, diva
da sacanagem cinematográfica nos anos 70. Ao concluir a redação desta crônica,
haverei, sim, de render à musa das bolinações genitais vespertinas, um
derradeiro e comovido tributo. Mãos à obra! Vamos ao texto, que o tempo urge...
Meretrício por meretrício, eu prefiro a
companhia simplória da pseudo-universitária Emanuele (codinome abrasileirado,
escrito faltando um “eme” e um “éle”). Mentira por mentira, eu escolho as
enganações de Maria da Anunciação — a iletrada (e desletrada) Emanuele — cuja
alcunha foi a ela imposta, ainda nos primórdios da prostituição na cidade de
Pasárgada, ocasião em que, impulsionada pela condição miserável de vida,
patrocinada pela mãe alcoólatra, contava 14 anos incompletos e 40 quilos mal
pesados.
Não me condenem! Não me atirem as suas
pedras! Não me tratem como a uma Madalena com um pênis entreaspernas. Conheci
as lides alcoviteiras de Emanuele já na adultidade, no auge da sua tarimba
profissional. Tenho lá também os meus lamentáveis e desprezíveis momentos de
humanismo (muitas vezes, eu sofro de recaídas, esqueço que sou bicho, e me
permito humanizar).
Acontece que, prostíbulo por prostíbulo,
apraz-me sobremaneira tomar o uísque assumidamente desonesto da boate Buraco
Azul, onde Emanuele faz carreira, que beber o café “kopi luwak” — produto
importado da Indonésia, cujos grãos são extraídos das fezes de um animal
chamado “civeta” — com deputados federais nos subterrâneos do Congresso
Nacional. O café coado com grãos catados do coco de um bicho até que é gostoso,
mas, a bancada parlamentar é uma merda.
Enquanto secamos uma garrafa de conhaque
ordinário, Ema (intimidade permitida tão somente aos fregueses corriqueiros,
fidelizados) abre as coxas e o jogo para mim: “Ah... o que eu não daria pelo
velho papai-e-mamãe...” (aos leitores impolutos eu explico: o termo
papai-e-mamãe diz respeito à manobra copulativa mais utilizada por casais
heterossexuais em todo o mundo — perde, quem sabe, para o sempre rápido e
utilíssimo coito em pé atrás do muro — no qual o sujeito se encaixa dentro do
quadril da amada, executando movimentos uniformes, coordenados, ritmados, desferidos
de cima para baixo, até que ocorra o famigerado desmancha-prazer chamado
orgasmo).
Com a sinceridade etílica que falta aos
padres durante as suas pregações regadas a vinho, Emanuele reclama que,
ultimamente, só tem saído com clientes com gostos esquisitos. Recentemente, foi
contratada por um homem miúdo, de meia idade, o qual gastou os trinta minutos a
que tinha direito sugando-lhe os dedos dos pés, um a um, a despeito dos alertas
da contratada quanto ao risco das unhas encravadas e frieiras. Ao contrário do
que ela supunha, a interpelação sanitária só fez crescer no homem a excitação,
deixando-o ainda mais submisso, diminuído, realizado e, claro, feliz à beça.
Há poucos dias, ela fizera um programa com
um postulante a pastor, sujeito de convicções religiosas fragilíssimas. O jovem
gorducho pediu (Emanuele conta que ele fazia o estilo “amante dominado com uma
levada masoquista”) que ela utilizasse uma edição antiga e luxuosa do Velho
Testamento, com capa dura cravejada de penduricalhos, para esbofeteá-lo bem na
cara, sem dó nem piedade.
A princípio, Emanuele temeu o ato herege,
relutou em cumprir a fantasia do cliente, mas, profissa que é, ateia que é,
sacou da publicação e aplicou no pedinte uma surra de bíblia, enquanto este
aguardava que o capeta saísse do seu corpo. Emanuele não tem certeza se o
capeta saiu ou não saiu, mas o sangue, este sim, saiu pelas narinas, assim como
saiu do bolso dele uma nota de 100 patacas com a polêmica inscrição de rodapé
“Elvis seja louvado”.
Que ninguém me excomungue, pois não estou
aqui disposto a tomar o precioso tempo das pessoas e, supostamente, inventar
estórias inverossímeis e caçoar das crendices. Não. A crença ou a descrença
alheia não me dizem respeito. Tenho os meus próprios e profundos dilemas.
Ocorre que as doideiras humanas não encontram similaridade no reino animal. Aliás,
falando em animais, quando uma senhora adentrada na Melhor Idade (“Só se for
melhor idade para os médicos e a indústria farmacêutica faturarem com a gente”,
brinca a velhota Tia Gerusaleta) insistiu para que Emanuele incluísse no
orçamento do programa a participação especial do seu labrador Rin-Tin-Tin, a
meretriz refugou à treta.
O texto é besta, fraco, aviltante, de mau
gosto, e não termina nunca? A coisa não para por aí, leitores. Nunca antes na
história daquele lupanar, Emanuele experimentara um programa tão bisonho: o
inédito encontro entre ela, um inexpressivo Deputado Foderal de Pasárgada e seu
assessor para assuntos prostitutos.
No ménage à trois, ambientado num quarto barato como se fosse um gabinete de verdade, com jetom e tudo, o assessor exerceu um papel coadjuvante dos mais relevantes (?!), ao se passar pelo cidadão, um homem do povo, um eleitor de cabresto, um daqueles imbecis que trocam votos por tanques de gasolina, por exemplo.
No ménage à trois, ambientado num quarto barato como se fosse um gabinete de verdade, com jetom e tudo, o assessor exerceu um papel coadjuvante dos mais relevantes (?!), ao se passar pelo cidadão, um homem do povo, um eleitor de cabresto, um daqueles imbecis que trocam votos por tanques de gasolina, por exemplo.
Na encenação de alcova, Emanuele pagava (de
mentirinha, é claro) 50 patacas por cada etapa do intercurso, as cédulas sendo
arrancadas do bolso do cidadão comum (ali representado pelo assessor voyer) e
colocadas, uma sobre a outra, na boca do parlamentar, entre os seus dentes
amarelos, como se ele fosse um cão de guarda do Inferno de Dante.
Vagando sobre as quatro patas pela suíte
imunda do Buraco Azul, salivando a sujidade das cédulas de dinheiro pelos
cantos da bocarra, o deputado exigia mais propinas, mais comissões, mais
doações não-declaradas para a campanha, ao mesmo tempo em que implorava ser
chamado de mensaleiro safadinho, dentre outras adjetivações aqui impublicáveis.
O cliente só se deu por satisfeito quando
quebrou o erário. Mas aí já era tarde demais. O povo já estava completamente
fodido.”
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