“Há quem ouça a verdade ser dita pelas
bocas das cacimbas, pelos ventos nas folhas de relva, pelos voos claudicantes
dos pássaros e até pela borra de café em espirais no fundo da caneca.
Há quem ouça a verdade ser dita pelos
lances de dados, pelos jogos de búzios, pelas pedras das runas e até pela
disposição caótica dos detritos no estômago dos animais sacrificados.
Há quem ouça a verdade ser dita pelo rumor
das salsas ardentes, pelos cortes das cartas do tarô, pelos imaginários signos
do zodíaco e até mesmo pelos megafones famigerados de pregadores de intenções
maliciosas.
Há quem ouça a verdade ser dita pela
repetição incansável das ladainhas, pelos suores dos pais de santo, pelas
pombas giras nos terreiros e até mesmo pelas imagens de culto em seus gestuais
de gesso.
Há quem ouça a verdade ser dita pelos
políticos nos palanques de comícios, pelos enxames de abelha nas tardes de
setembro, pelos cupins de asas em revoadas antes da chuva e até pelo
desabrochar das flores dos abricós de macaco.
Há quem ouça a verdade ser dita pelos
livros de auto-estorvo, pelas filosofias de senso comum, pelas simpatias de
comadres solícitas e até mesmo pelos calafrios na mudança de temperatura no final
do entardecer.
Há quem ouça a verdade ser dita pelos
torpores de agosto, pelos sonhos de mau jeito, pelos cantos da acauã e até
mesmo pelo cardiograma de Deus nas linhas quebradas dos relâmpagos.
Há que ouça a verdade ser dita pela boca do
maluco de pedra, pelo adivinho de araque, pelo profeta falsamente inspirado e
até mesmo pelas reticências de calendários interrompidos.
Há quem ouça a verdade ser dita pelas vozes dos místicos, pelas alucinações dos malucos, pela ignorância dos desinformados e até mesmo pela arrogância de doutores em ciências edificadas sobre princípios de bases falsas.
Há quem ouça a verdade ser dita pelas vozes dos místicos, pelas alucinações dos malucos, pela ignorância dos desinformados e até mesmo pela arrogância de doutores em ciências edificadas sobre princípios de bases falsas.
Há quem ouça a verdade ser dita pelas
manhas da cartomante, pelas linhas traçadas nas mãos, pelas vozes sem emissores
diante dos altares de imolação e até mesmo pelo zurrar do jumento no meio da
noite.
Há que ouça a verdade ser dita pelos
pergaminhos de superstições antigas, pela profusão de notícias que vêm de todos
os lados, pelo silêncio a muito custo conseguido e até mesmo pelas intuições
geradas em seus próprios temores.
Há quem ouça a verdade ser dita pelas vozes
dos anjos, pelo bolor atmosférico, pelos riscos das estrelas cadentes no céu
noturno e até mesmo pelas revelações havidas em estado de dormência.
A verdade. Ah, a verdade está em tudo
entranhada, como o arroz e o timbete, como o trigo e o joio. A verdade não
seria apenas a face mais crível da mentira? A verdade está por aí, diluída em tudo. Quem tiver
ouvidos de ouvir que ouça. Mas, por favor, não me conte!”
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