“Ao final do
ano, é natural que cada um de nós formule, ainda que internamente, seus
votos para o ano que entra. Nào deixa de ser uma convenção porque, na
realidade, essa esperança por coisas melhores é algo que nos persegue
a cada dia, a cada minuto. De qualquer forma, essa passagem temporal acaba
assumindo importância especial, talvez porque seja um momento em que o
congraçamento, a aproximação entre as pessoas, parece fortalecer os
desejos , conferindo-lhes um ar de concretizacão possível, uma espécie de
”agora sim, vamos conseguir”.
Sempre me vêm à lembrança,
nesta época, os versos do poema ”Cartão de Natal”, de João Cabral de Melo
Neto, nos quais o poeta pernambucano constrói uma inusitada comparação entre os
votos natalinos e as esperanças juvenis dos estudantes que, ao início de
cada ano letivo, se comprometem internamente a “começar caderno novo”,
uma metáfora para uma atenção mais efetiva para com as atividades
escolares. Quem passou pelos bancos escolares sabe como é difícil
manter esse desígnio, diante do universo de atividades sedutoras
que convidam a “deixar para depois “ os compromissos com o estudo. Da mesma
forma, o dia a dia do novo ano, com suas obrigações, atribulaçõoes, surpresas
e contratempos, acaba por contribuir para que sejam sempre adiadas as
boas intenções originais.
Mas, felizmente, a
persistência é uma das virtudes humanas responsável por seu avanços
e conquistas. E é por isso que eu também faço agora meus votos, resumo de
esperanças para 2013. Omito os de âmbito estritamente
pessoal, porque soariam como pouco originais e muito egocêntricos:
afinal, todos desejamos a própria felicidade e a daqueles a quem queremos bem.
Anseio por um mundo sem
guerras, algo que, embora talvez pareça óbvio, a Humanidade até hoje não
conseguiu alcançar – provavelmente por estar ainda na sua pré-história em
termos de evolução . Uma amoral indústria bélica que sustenta ideias
imperialistas, aliada a dogmas cujo radicalismo chega ao fanatismo,
tem impedido que sequer nos aproximemos dessa
realidade. A questão religiosa, que é o pano de fundo (falso) para
conflitos de motivação econômica, é também uma prova desse nosso estágio
civilizatório rudimentar. Se já é tão difícil acreditar na existência de
um Deus que comande esse descalabro, imagine-se essa pulverização da divindade
sustentada por fundamentalismos que dividem os dois hemisférios do
planeta. E já que é para sonhar com novos rumos, o bom seria que a
religião, se tiver que existir, refreie seu lado perverso, fazendo
predominar unicamente as mensagens de comunháo e amor ao próximo, que, nas
origens, inspiram todos os credos.
Ainda em termos planetários,
a esperança vai para a extinção de todos os regimes antidemocráticos, os
escancarados por ditaduras e os disfarçados de democracia, iinclusive falsas
primaveras, que , em realidade, têm servido de sustentação para a
perpetuação de cruéis desigualdades sociais.
Quanto aos valores que hoje
comandam o mundo, os desejos se encaminham para a redução da valorização do
individual , do consumismo, da mentalidade mercadológica que avalia as pessoas
pelo que têm e não pelo que são. Dirigem-se também para o fim dos preconceitos
de qualquer natureza – étnica, sexual, de gênero ou de status social - , inconcebíveis
para uma espécie que se pretende civilizada. Quanto maior o número de ações
afirmativas que pretendam combater discriminações, mais o homem se aproximará
de um estágio que justifique o verdadeiro milagre que lhe permite distinguir-se
entre os seres com os quais convive.
Para o Brasil,
especificamente, e dentro dessa perspectiva maior, esperamos que o país
prossiga em sua escalada no sentido da redução das desigualdades, com projetos
e programas sociais de grande alcance, a despeito de todo o mau agouro
dos abutres de sempre. Que o nosso país continue a destacar-se no concerto das
nações, mantido o respeito que granjeou no cenário internacional. Que a
educação e a saúde imponham-se como metas prioritárias, apesar dos
tubarões do ensino e dos vorazes planos de saúde que proliferam por aí. Que o
poder executivo se mantenha na posição republicana e estadista que vem
revelando, atuando nos pontos críticos verdadeiros e reagindo a crises
pré-fabricadas. Que a composição do poder legislativo passe por uma
reforma política capaz de retirá-lo da indigesta posição que
vem ocupando , de instituição menos acreditada no país. Que o poder
judiciário venha a comprovar sua nunca antes tão propalada vocação
pela construção da justiça, com atitudes que desnudem outros escândalos
nacionais – o mensalão do PSDB mineiro, a Privataria Tucana, os Arrudas ,
Demóstenes, Cachoeiras e Dias da vida, comprovando, assim, que não
vem agindo casuisticamente, contrariando a tradição jurídica em função de
propósitos políticos. Finalmente, que o nosso sistema midiático passe por
mecanismos de controle da sociedade, que não lhe permita a manipulação ,
a parcialidade e a hipocrisia de alimentar-se de concessões e
verbas públicas para dinamitar os interesses do povo.
Embora utópicas como
expectativas imediatas, são essas as nossas esperanças, que dividimos com os
leitores, lembrando, ainda com versos de João Cabral de Melo Neto, mas em
outro poema, que ”um galo sozinho não tece uma manhã” e que, por isso, é
na força das ações coletivas que , no Brasil e no mundo , algumas dessas
esperanças podem se transformar em algo real.”
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