Menalton Braff, CartaCapital
“Conversar com poetas pode ser perigoso
porque o resultado podem ser crônicas e outros cometimentos. Principalmente se
o poeta é um ser que desceu ao mundo em um feixe de luz, como alguns que eu
conheço e que têm o polegar verde. Hoje de manhã conversei com um que ameaça
aposentar o polegar por absoluta inutilidade. Então o poeta me contou que nos
tempos de sua infância havia mais verde e muito menos poluição. As crianças
brincavam de roda e não visitavam psicanalista. Acabou de me dizer isso e sumiu
nos seus primeiros anos de vida. Foi por causa dele que viajei até minha
infância, viagem que os poetas fazem com a maior facilidade.
Um dia meu pai me chamou e me disse, Agora
tu sentas aí, que chegou tua vez. Era na mesa da sala, sobre a qual havia um
livro aberto. Sentei e comecei a ler em voz alta o que estava naquela página. Ele
não disse nada, mas me olhou espantado, a pele um pouco mais vermelha do que o
natural. Mal sabia meu pai que, enquanto alfabetizava minha irmã mais velha, eu
ficava por ali sapeando, fingindo que brincava, mas na verdade maravilhado com
aqueles risquinhos todos que se transformavam em histórias. Desde
aquela época tenho a impressão de que ele não gostou muito do jeito com que
frustrei seus impulsos pedagógicos. Sim, porque me pareceu pura vingança quando
ele afastou o livro e jogou debaixo de meu queixo um caderno e um lápis. Então
copie isto aqui, ele ordenou. Meu deus do céu, foi aí que começaram minhas
torturas.
Ah, como é doce a vingança! Um dia resolvi fazer um curso de datilografia e passei a escrever furiosa e desaforadamente.
Pouco tempo depois, comprei minha primeira máquina. Era uma Remington preta, só minha, que não se escondia debaixo do fogão nem era um porquinho-da-índia, mas acho que foi minha primeira namorada. Que ninguém tocasse em minha Remington, porque dava briga. Ela era minha independência, a segurança de que nunca mais ouviria gozações por causa de minha letra. Ela era minha defesa.
Muitas coisas fizemos juntos, minha Remington e eu. Sinto saudade de mim e dela também. Depois vieram as Olivettis — as Letteras e as outras. Uma delas, bem me lembro, tinha linhas modernas, era elétrica e muito baixa. Se não me engano, seu nome era Lexicon, ou qualquer coisa assim com esse estilo futurista. Nunca fui muito feliz com ela. Tinha um rolinho branco, para apagar letras ou palavras erradas, e não houve manual de instruções que me fizesse aprender a colocar um rolinho daqueles no lugar certo. Coitada, deve andar por aí até hoje, jogada em algum canto, porque em seguida comprei um micro de 21 Megas, que era um milagre da tecnologia.”
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