“Ejaculatio precox” e outros problemas


Claudio Bernabucci, CartaCapital

“O desenvolvimento e a recente inclusão social no Brasil, lentos mas constantes, abrangem todos os âmbitos da sociedade, cultura inclusive. A cada dia mais amplos setores populares e de pequena classe média têm acesso a cinemas e teatros, terreno que foi quase exclusivo dos bem-sucedidos. Acompanhei com prazer esta evolução positiva nos últimos anos, sobretudo a partir do observatório privilegiado e simbólico do Rio de Janeiro, cidade onde moro.

Sempre gostei muito de frequentar ambientes de cultura, quer fossem teatros, ateliês, praças.  Em particular, nas minhas viagens pelo mundo – muito menos numerosas do que sonhava na juventude – procurei com certa perseverança ir ao teatro, não só como maneira de cumprir férias inteligentes, mas sobretudo para conhecer a cultura do lugar e a sensibilidade do povo que visitava. De São Petersburgo até Nova York, de Praga até Buenos Aires, passando por Paris, Johannesburgo ou Londres, tais experiências sempre me enriqueceram. As peças são espelho da cultura local e as reações do público expressam diferentes hábitos e sensibilidades: mais efervescentes ou mais contidas, dependendo da latitude.

Contrariamente a qualquer outro público, o carioca que vai ao teatro tem um comportamento muito singular: acabada a peça, ele sente o imperioso impulso de se levantar e tributar sem hesitação a chamada standing ovation. O aplauso, mais ou menos intenso dependendo das circunstâncias, demora em geral poucos segundos. Logo depois, com rápida rotação do corpo, nosso espectador oferece as costas ao palco e se dirige apressado à saída. Mas o mais surpreendente é que tais reações são aplicadas indistintamente a obras de grande valor ou de péssima qualidade. Em outras palavras, a ovação executada depois de levantar do assento tem-se tornado a maneira normal de aplaudir, prescindindo do conteúdo e sem qualquer gradação no valor. Pouco importa a qualidade, parece vivenciar nosso incauto espectador: os artistas, só pelo fato de pisar o palco, merecem carinho enfático.

A definição instintiva que me ocorreu, refletindo sobre a situação, foi … ejaculatio precox, penosa patologia que, quase sempre por ansiedade na prestação amorosa,  aparece no começo da vida sexual de indivíduos problemáticos, e não somente naquele momento, e prosseguir pela vida inteira. Acredito que, como acontece entre dois parceiros aflitos por tal disfunção, também no âmbito teatral as consequências sejam nefastas: por um lado, o artista sente-se mal-amado e frustrado pela impetuosa, mas rápida apreciação, e, por outro lado,  o público, de alguma forma consciente da própria inadequação, corre o risco de aumentar a ansiedade e provocar ainda mais sérias complicações. Tanto  no primeiro como no segundo caso, é aconselhável uma terapia de apoio.

Fora da metáfora, que admito um pouco provocatória, quero tranquilizar os meus 23 leitores que minha opinião não é isolada, mas é compartilhada por importantes artistas, sejam eles comediantes, sejam eles músicos, que, embora de calada maneira, lamentam a “frigidez impulsiva” do próprio público. Em comparação ao teatro, a situação melhora um pouco com shows de música, confessam eles, porque, para conseguir um bis de uma canção, algum aplauso a mais há de ser gasto, mas isso não modifica a opinião de fundo acima referida.

Ante tais contradições, o espectador comum carioca (ou brasileiro?) merece sem dúvida alguma forma de acompanhamento. Trata-se, a meu ver, de ajudá-lo a superar a atitude acrítica (que se enxerga também em comentários da imprensa), fruto da falta de hábito ao debate construtivo, e de eliminar certa complacência condimentada com uma pitada de conformismo, que é um traço infelizmente difundido, e tampouco particularmente edificante, em alguns ambientes da sociedade. Não quero correr o risco de generalizar: estou me referindo a certos setores da burguesia nacional pouco cultos e muito afeitos às modas, mas devo admitir que o fenômeno acima descrito é transversal: abrange todas as classes. Mais preocupante é que tais comportamentos se tornaram contagiosos: nasceram da burguesia inculta e estão sendo imitados pelo povo.

É papel de intelectuais e de artistas exercerem função pedagógica para o próprio público, estimular a crítica de qualidade, forjar a elegância e o bom gosto para, inclusive, contribuir ao aperfeiçoamento da própria arte. De nada serve a omissão cautelosa de polêmicas, se não a nivelar por baixo.
Numa época em que, como nunca antes, ser ator ou músico corresponde para muitos jovens à ascensão social e a virar famoso, seria um progresso útil se o público de teatro aprendesse a julgar e distinguir, a fim de selecionar talentos ou desincentivar canastrões. Aplaudir de forma criativa e não mecânica é o corolário dessas capacidades.

P.S.: O dia em que também se reduzir a temperatura polar de cinemas e teatros a níveis civilmente saudáveis, terá de ser celebrado. O problema é que muitos alegam ficar doentes por tal razão, mas tudo continua igual como sempre.”

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