Marketing infantil: quando a ganância compromete a saúde


Wilson da Costa Bueno, Portal Imprensa

“O marketing infantil não se emenda: continua gorduroso, animado por palhaços sem graça alguma e com uma disposição enorme para lucrar fortunas à custa da saúde das nossas crianças.

As empresas de fast food, os fabricantes de comidinhas e bebidinhas não saudáveis são, por definição, predadores. Vivem olhando para o próprio umbigo e para o bolso dos papais, enquanto mantêm acesa a sua ganância, respaldada em posturas nem sempre éticas para difundir hábitos alimentares inadequados.

Embora existam esporadicamente algumas exceções, a mídia brasileira, sobretudo a televisão, monopolista por excelência, se traveste de boazinha ao mesmo tempo  que  entope  as nossas crianças com conteúdos e alimentos/bebidas não saudáveis.

Nos últimos dias, os jornalões  destacaram, em reportagens, ações e estratégias desenvolvidas pelos setores de alimentação e de bebidas para tornar os cidadãos, sobretudo as crianças e jovens, reféns de sua propaganda nefasta.

Matéria de 7 de abril de 2013, baseada em pesquisa realizada pela Faculdade de Saúde Pública da USP, dava conta de que um adolescente brasileiro consome 26 quilos de açúcar por ano com refrigerante e suco pronto e associa esse consumo inadequado com o crescimento alarmante da obesidade infantil em nosso país. Evidentemente, não culpava apenas as empresas, mas a falta de consciência dos pais que, desatentos ou iludidos pela propaganda falsa dos fabricantes, permitem o acesso fácil de seus filhos a estes produtos nocivos à saúde.

Já a Folha de S. Paulo, em reportagem da editoria de Ciência de 8 de abril de 2013, ressaltava a publicação nos EUA de um livro do jornalista americano Michael Moss, ganhador do Prêmio Pulitzer em 2010, sobre a ação predadora da indústria de alimentos, que manipula alimentos com o objetivo de aumentar o consumo, ainda que essa iniciativa tenha como conseqüência a degradação da qualidade de vida. Essa obra também mereceu a atenção do articulista Thomaz Wood Jr, na revista Carta Capital, de 27 de março deste ano. O livro, que chegou a merecer  um extrato publicado pela prestigiada The New York Times Magazine, revela que os fabricantes têm feito de tudo para incentivar o consumo. Diz Thomaz Wood, referindo-se à conclusão do autor do livro: “houve um esforço consciente em laboratórios de pesquisa, reuniões de marketing e nos corredores dos supermercados para viciar os consumidores em alimentos convenientes e baratos”. Basicamente, segundo Michael Moss, as empresas manipulam 3 ingredientes: o sal, o açúcar e a gordura e conseguem com isso aumentar o número de consumidores fiéis e... gradativamente doentes.

A ética dos fabricantes é do fundo do poço. O jornalista revela que uma reunião secreta dos gigantes da indústria de alimentos, realizada no final da década de 90, convocada por alguns dos seus representantes mais conscientes, que julgavam ser necessário reduzir o potencial gorduroso dos alimentos, fracassou. Acrescenta a reportagem da Folha: “No fim da apresentação (refere-se à reunião), Stephen Sanger, então presidente da General Mills, disse que os consumidores compravam o que queriam e queriam o que fosse saboroso. “Não me venha falar de nutrição, disse”. O colunista da Carta Capital acrescenta outra frase ouvida na mesma reunião: “ Nós não vamos estragar as jóias da empresa só porque uns caras de jaleco branco estão preocupados com a obesidade”.

O que eles queriam dizer – e continuam dizendo – é que “que se dane a saúde das crianças e dos adolescentes porque o queremos mesmo é continuar aumentando os nossos lucros” (O faturamento anual dessa indústria em todo o mundo é estimado em 3 trilhões de dólares).

No Brasil, as tentativas de restrição à propaganda de produtos não saudáveis têm esbarrado no lobby formidável de empresas, agências de propaganda e de veículos que temem ver reduzido o seu ganho, já que o setor inclui anunciantes de peso.

Além disso, todo debate que visa regular o marketing infantil acaba sendo desvirtuado para um outro foco: a restrição à liberdade de expressão, como se disciplinar o assédio de fabricantes de produtos não saudáveis às nossas crianças fosse algo negativo, prejudicial à sociedade. Trata-se de um esforço (que infelizmente tem sido bem sucedido pela cumplicidade e inoperância de todos nós) no sentido de manter os canais livres para esta divulgação nociva que contribui para comprometer a saúde dos mais jovens. No Brasil, segundo dados do Ministério da Saúde, 30% das crianças têm sobrepeso e 15% delas são obesas.

É fundamental que o Governo, mas também a sociedade civil, as entidades de defesa do consumidor em particular, as escolas e a imprensa empenhem-se ao máximo para disciplinar o marketing infantil, como já ocorre em dezenas de países. 

Não se pode cair na armadilha de acreditar na auto-regulamentação porque ela tem se mostrado pouco eficaz porque sempre comprometida com os interesses dos anunciantes, agências e veículos, repetindo a velha história da raposa que toma conta do galinheiro. Todos os avanços obtidos em termos de disciplinar a propaganda voltada para as crianças têm sido conseguidos pela pressão da sociedade e não pela decisão própria das empresas de fast food, de fabricantes de bebidinhas e comidinhas sem qualidade nutricional.

A auto-regulamentação é, por excelência, cínica na indústria da saúde, de alimentos, de bebidas, agroquímica, tabagista etc etc porque, na prática, as empresas buscam apenas manipular a opinião pública, quase sempre proclamando ações que não são cumpridas ou para as quais não há controle. Algumas empresas ou setores preferem agir debaixo dos lençóis, saindo dos holofotes da televisão e penetrando nos sites e nos games com apelos quase subliminares para as crianças, em geral com um efeito devastador.

Há que se destacar o papel nocivo dos brindes, das promoções no setor de fast food que atraem crianças (e pais pouco informados), promovendo, de maneira apelativa e irresponsável, alimentos não saudáveis.  É preciso, portanto, proibir essas promoções porque elas funcionam como isca, como pressão insuportável sobre os pais (que, é lógico, deveriam ser mais atuantes, menos omissos). Alegar, no entanto, que os pais devam controlar os filhos é um argumento discutível porque as crianças são bombardeadas o tempo todo por propagandas sedutoras (e ao mesmo tempo irresponsáveis) e por promessas feitas por palhaços idiotas e heróis artificiais de histórias em quadrinhos e desenhos animados.

O Estado e a sociedade precisam colaborar com os pais, regulando o assédio da indústria às crianças, proibindo o estímulo ao consumo não consciente e punindo as empresas que glamurizam “bigs qualquer coisa” para encherem os seus cofres.

A mídia precisa também desempenhar o seu papel, mas é forçoso reconhecer que, em boa parte, ela já escolheu o seu lado, alinhando com os anunciantes que costumam ser generosos com aqueles que os promovem.

É preciso dar um basta a este marketing nefasto e gorduroso, é preciso desmascarar a auto-regulamentação nessa área, é preciso fortalecer entidades como a ANVISA , o Instituto Alana e o IDEC que têm enfrentado interesses poderosos para denunciar e coibir abusos.

Certos setores industriais, determinados veículos e agências não têm compromisso algum com a liberdade de expressão e utilizam, cinicamente, este argumento para justificar a sua ação predadora. No fundo, defendem apenas a sua liberdade, respaldados pelo seu poderio econômico, e se empenham para calar as vozes adversárias. 

As pressões são insuportáveis, o abuso do poder econômico é avassalador, assim como se multiplicam os defensores das campanhas de incentivo ao consumo de produtos não saudáveis, na imprensa, no parlamento e até mesmo na comunidade técnico-científica, uma ação orquestrada que aglutina os fabricantes de produtos alimentícios  não saudáveis, de tabaco, de transgênicos, de agrotóxicos e outros setores nocivos à saúde menos votados.

É fundamental regular o marketing infantil, conscientizar os pais, mobilizar jornalistas e e educadores e os cidadãos de maneira geral para que, em uníssono, a gente possa gritar: Prezados senhores: enfiem esse marketing gorduroso em outro lugar!”

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