Pais: problemas para os filhos?


Rodolpho Motta Lima, Direto da Redação

Certas generalizações podem nos fazer incorrer em falsos juízos de valor, beirando o preconceito. Uma dessas falácias – e confesso que muitas vezes me peguei tentado a reproduzi-la – é a afirmação categórica de que os nossos jovens são, hoje, menos preocupados com os problemas sociais ou políticos do país do que os das gerações anteriores. E que são, também, cada vez mais insensíveis com as dores alheias. É comum, aliás, de uma forma simplista, transferir para os próprios jovens a responsabilidade integral por essa “alienação egocêntrica”,  como se eles não fossem, como são, produtos de um meio que em nada contribui para a seu engajamento social ou solidário , com diversas forças que, de forma inocente ou intencional, atuam na disseminação desse vírus do desinteresse.

O curioso é que os próprios jovens, quando interrogados, assumem essa posição extremada, julgando-se, sem maiores considerações,  menos envolvidos com a sociedade do que os de todas as  gerações anteriores. Recentemente, discutindo em sala um texto que propunha esse tema – um artigo de Luís da La Mora , “Juventude e Participação”, que serviu de base a uma prova recente da UERJ -, ao perguntar aos meus alunos se eles se julgavam mais alienados que os seus antecessores, ouvi um quase uníssono “sim”, só comparável ao “não” que também ouvi quando os inquiri sobre se seus pais eram mais participantes que eles.

A mistura entre esse “sim” e esse “não” talvez seja uma das chaves da questão. Os filhos reproduzem, creio que em boa  parte, os valores transmitidos pelos pais e, no caso desses jovens, com   16/17 anos,  seus pais (hoje com seus 40 anos, em média) pertencem a uma geração que parece ter primado historicamente pelo descompromisso e pela inércia ideológica. 

Alguém poderia lembrar,  talvez, o movimento “fora Collor”. Mas uma análise fria, ditada pelo distanciamento no tempo,  torna  cada vez mais difícil entender se esse movimento foi de inspiração do povo consciente e de seus cara-pintadas, das oligarquias políticas invejosas por não participarem da suposta farra na “Casa da Dinda”  ou da ação da mídia comprometida com esses segmentos. 

Os jovens de hoje – e falo  dos que poderiam ter, pela educação e pelo berço , um juízo crítico que os levasse a atuar mais efetivamente nas atuais questões nacionais -  cresceram junto a uma ambiência familiar que, no geral,  um sinal dos tempos , faz predominar uma visão individualista, egocêntrica e hedonista. Voltados para o culto de si mesmos, os adultos estão se afastando da sempre trabalhosa obrigação de educar os filhos que põem no mundo. E parecem ter pouco tempo para preocupações e juízos críticos que lhes permitam atuar como transmissores de valores.  Quando muito, para estar de bem com sua consciência, alguns se declaram, ao menos nas palavras,  “ecológicos”, “preocupados com a natureza”, “atentos ao futuro sustentável do planeta”, mas deixam de lado o homem, única razão da ecologia. Costumo dizer, metaforicamente, que há muita gente por aí que é capaz de abraçar uma árvore sem perceber que está pisando no mendigo deitado à sua sombra...  E, nesse contexto,  os jovens, sem grandes alternativas (e ressalvadas, é claro,  as exceções)  seguem direitinho essa cartilha, esse modelo.

Penso que, preocupados em eleger a felicidade individual como o único bem a ser perseguido – o que, na visão geral,  passa, necessariamente, pela valorização dos aspectos materiais da vida – as famílias estão se omitindo no processo de formação de seus jovens,  gerando pequenos reizinhos e rainhas, arrogantes e insensíveis ao outro, que serão os cultores dos umbigos de amanhã. Em nome de não magoar os filhos com negativas, de não “traumatizá-los”, ou não transformá-los em “rebeldes”, e dentro dessa visão do desfrute e do prazer no campo individual, os pais estão optando pela facilidade das concessões, que resolvem problemas menores imediatos e certamente gerarão grandiosos problemas no futuro. Em um muito interessante (e quase trágico) estudo voltado para a sua área, a psicanalista Márcia Neder, em seu mais recente livro, cunha o termo “déspotas mirins”, que serve de título à obra, para designar os pequenos comandantes de um regime social que se estaria implementando nos tempos de hoje  e que a autora intitula de “pedocracia”.  

Sim, os nossos jovens não participam como poderiam, ou deveriam. Mas penso que esse não é o problema central da discussão porque, honestamente,  mesmo nos tempos áureos das passeatas e dos movimentos estudantis neste país, os ativistas jovens estavam longe de constituir uma maioria, embora vivenciando os monumentais problemas sociais e políticos que os anos de chumbo traziam consigo.

O que deve preocupar, mais que tudo, nesse assunto, é a busca de uma resposta satisfatória  a indagações cada vez mais frequentes sobre o tipo de mundo que se está criando para o jovem. Se antes era complicada a sua participação social, agora está mais difícil. Se “participar” é “ser parte de”, fica complicado isso para quem é “educado” para se achar “o todo”.  As novas famílias estão contaminadas por um novo “carpe diem”, onde o prazer do momento e a felicidade fugaz são os móveis maiores, passando de pais para filhos ; as nossas escolas se acomodam aos interesses dos “clientes”, não estabelecendo, como deveriam, um contraponto a esse processo deformador; e a nossa mídia, bem afinada com interesses de mercado que a sustentam, trabalha no sentido de substituir o cidadão social pelo compulsivo consumidor individual. E o nosso jovem –  elo mais fraco disso tudo, com  suas posturas e seus equívocos – está no olho desse furacão.”

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