“A extinção do pensamento crítico
brasileiro não vem só daí, claro, mas se “instrumentalizou” e consolidou, com
consequências no tempo, graças à ditadura”
Ensina Chauí que a violência repressiva se
abateu sobre os educadores nos três níveis: fundamental, médio e superior. As
perseguições, cassações, expulsões, prisões, torturas, mortes, desaparecimentos
e exílios, eis a devastação feita no campo dos educadores. Todos os que tinham
ideias de esquerda ou progressistas foram sacrificados de uma maneira
extremamente violenta.
Em segundo lugar – como outra das causas
instauradas na ditadura
que contribuíram para a destruição do ensino e do pensamento crítico no Brasil:
a privatização do ensino, que culmina agora no ensino superior, começando no
ensino fundamental e médio. As verbas não iam mais para a escola pública, de
forma que esta foi definhando e em seu lugar surgiram ou se desenvolveram as
escolas privadas.
Chauí: “Eu pertenço a uma geração que
olhava com superioridade e desprezo para a escola particular, porque ela era
para quem ia pagar e não agüentava o tranco da verdadeira escola. Durante a
ditadura, houve um processo de privatização que inverte isso e faz com que se
considere que a escola particular é que tem um ensino melhor. A escola pública
foi devastada, física e pedagogicamente, desconsiderada e desvalorizada”.
Em terceiro, a reforma universitária. A
ditadura introduziu um programa – conhecido como MEC-Usaid – do Departamento de
Estado dos Estados Unidos para toda a América Latina. Ele foi bloqueado durante
o início dos anos 1960 pelos movimentos de esquerda no continente, contudo
posteriormente, a ditadura o implantou. Essa implantação consistiu em destruir
a figura do curso com multiplicidade de disciplinas, que o estudante decidia
fazer no ritmo dele.
Ainda conforme MC, os cursos se tornaram
seqüenciais. Foi estabelecido o prazo mínimo para completar o curso. Houve a
departamentalização (ou fragmentação em departamentos) mas com a criação da
figura do conselho de departamento, o que significava que um pequeno grupo de
professores tinha o controle sobre decisões e a totalidade dele. Aí se tem a
centralização. Foi dada ao curso superior uma característica de curso
secundário – que hoje chamamos de ensino médio – que é a seqüência das
disciplinas e essa ideia violenta dos créditos.
Além disso, inventaram a divisão entre
“matérias obrigatórias” e “matérias optativas”. E, como não havia verba para
contratação de novos professores, os professores tiveram de se multiplicar e
dar vários cursos. Houve um comprometimento da inteligência, claro, posto que
ocorreu a falta crônica de verba para laboratórios e bibliotecas,além da
devastação do patrimônio público por uma política que visava exclusivamente à
formação rápida de mão de obra dócil para o mercado. Aí, criaram a chamada
licenciatura curta, ou seja, você fazia um curso de graduação de dois anos e
meio e tinha uma licenciatura para lecionar. Além disso, criaram a disciplina
de educação moral e cívica, para todos os graus do ensino. A universidade que
conhecemos hoje é a universidade que a ditadura produziu.
Marilena Chauí: “Esse é o momento (final
dos anos 70) também em que há uma ampliação muito grande da rede privada de
universidades porque o apoio ideológico para a ditadura era dado pela classe
média. Ela, do ponto de vista econômico, não produz capital, e do ponto de
vista político, não tem poder. Seu poder é ideológico. Então, a sustentação que
ela deu fez com que o governo considerasse que precisava recompensá-la e
mantê-la como apoiadora, e a recompensa foi garantir o diploma universitário
para a classe média. Há esse barateamento do curso superior para garantir o
aumento do número de alunos da classe média para a obtenção do diploma. É a
hora em que são introduzidas as empresas do vestibular, o vestibular unificado,
que é um escândalo, e no qual surge a diferenciação entre a licenciatura e o
bacharelato.”
Para a filósofa, foi uma coisa dramática:
lutamos o que pudemos sob a censura e o terror do Estado, com o risco que se
corria, porque nós éramos vigiados o tempo todo: “Os jovens hoje não têm ideia
do que era o terror que se abatia sobre nós. Você saía de casa para dar aula e
não sabia se ia voltar, não sabia se ia ser preso, se ia ser morto, não sabia o
que ia acontecer, nem você, nem os alunos, nem os outros colegas. Havia
policiais dentro das salas de aula.”
É preciso levar em consideração o que o
neoliberalismo fez: a ideia de que a escola é uma formação rápida para a
competição no mercado de trabalho. Então fazer uma universidade comprometida
com o que se passa na realidade social e política se tornou uma tarefa árdua e
difícil. E ambígua, pensamos nós.
Marilena Chauí: “Na escola, na
universidade, a formação do cidadão crítico não vai acontecer. Você pode ter
essa expectativa em outras formas de agrupamento, nos movimentos sociais, nos
movimentos populares, nas ONGs, nos grupos que se formam com a rede de internet
e nos partidos políticos. Você tem estes bolsões, mas não como uma tendência da
escola.”
Em suma, cabezas cortadas, na expressão da
época. Desde os anos 70, mais de quarenta anos. A extinção do pensamento
crítico brasileiro não vem só daí, claro, mas se “instrumentalizou” e
consolidou, com consequências no tempo, graças à ditadura. É isso aí.”
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