Frei Betto, Adital
“O novo herói da transparência democrática
se chama Edward Snowden, tem 29 anos, e nasceu em Maryland, vizinho do Fort
Meade, sede da poderosa NSA (sigla em inglês para designar a Agência de
Segurança Nacional dos EUA). Ele nunca completou o ensino médio e foi
dispensado do serviço militar, em 2003, devido a um ferimento. Como demonstrava
grande talento para a informática, a CIA o recrutou.
Agora ele se encontra refugiado em Hong Kong por denunciar,
com provas, que o governo dos EUA, através da NSA, controla a vida privada de
milhões de cidadãos. Os jornais The Guardian, britânico, e Washington Post,
estadunidense, publicaram os documentos sobre o projeto Prisma, vazados por
Snowden em maio deste ano. Ele trabalhava para empresas contratadas pela NSA, como
a Dell e, nos últimos meses, para a Booz Allen Hamilton.
Os
documentos comprovam que a NSA tornou-se o verdadeiro Big Brother,
descrito no célebre romance 1984, de George Orwell. Ela pode entrar em
seu e-mail, gravar todos os seus telefonemas, apropriar-se de todos os dados de
seu cartão de crédito, como já vem monitorando a vida privada de quase 5
milhões de cidadãos. Segundo Snowden, basta conhecer o e-mail de uma pessoa
para se ter acesso a todo conteúdo do computador dela.Com a invenção do Facebook já não é preciso recrutar espiões. Muitos usuários descrevem ali sua rotina diária, preferências e até intimidades amorosas. Mark Zuckerberg, seu inventor, admite que "utilizamos as informações (divulgadas pelos internautas) para prevenir atividades potencialmente ilegais.” Todo adepto do Facebook, ao clicar seu acordo às normas, aceita que todos os seus dados sejam "transferidos e estocados nos EUA”.
"Não quero viver num mundo em que tudo que faço e digo fica registrado”, justificou-se Snowden. Acrescentou que agiu assim porque "progressivamente tomei consciência de que os presidentes podem mentir para se manter no poder e ignorar suas promessas públicas sem consequências”.
O governo Obama não sabe onde enfiar a cara. Os documentos comprovam que a NSA burla inúmeras leis dos EUA, além de ser protegida por "leis secretas”, recurso que, ao arrepio dos princípios do Direito, é adotado pelas ditaduras. A esperança de Snowden é que a Justiça de seu país venha a contestar a vigilância eletrônica praticada em larga escala pela NSA.
Edward Snowden ingressa, agora, na seleta lista doswhistleblowers (acionadores de alertas). Um dos mais famosos deles é Daniel Ellsberg, funcionário do Departamento de Estado que, em 1971, vazou os papéis do Pentágono denunciando o verdadeiro caráter da guerra do Vietnam. Na época, ele trabalhava para a Rand Corporation, um instituto de pesquisa estreitamente vinculado aos serviços secretos estadunidenses.
Ellsberg fez vazar 43 volumes ultra confidenciais, com 7 mil páginas, provando que, de Eisenhower a Nixon, todos os presidentes mentiram sobre o envolvimento dos EUA no Vietnam. Isso fez mudar a opinião pública que, a partir de então, passou a exigir o fim da guerra, que terminou com a derrota de Tio Sam.
Nixon ficou tão furioso que, após ofender a
progenitora do denunciante, mandou invadir o consultório do psiquiatra dele, em
busca de informações que pudessem desacreditá-lo, e tentou colocar LSD em sua
sopa. O processo se encerrou em 1973, quando a defesa de Ellsberg comprovou que
houve escutas ilegais e "provas” fabricadas. Hoje, aos 82 anos, ele
defende os jovens acionadores de alertas.
Outro é Bradley Manning, analista militar
no Iraque que, aos 22 anos, repassou ao WikiLeaks de Julian Assange 700 mil
documentos.
Como Snowden e Manning, funcionários
subalternos, puderam ter acesso a documentos ultrassecretos? A resposta,
segundo analistas, é o pânico que tomou conta dos EUA após a queda das Torres
Gêmeas, em 2001. A
pressa em recrutar agentes para os serviços de espionagem impede uma seleção
mais criteriosa.
"Uma de nossas obrigações é garantir
que os EUA permaneçam seguros”, declarou a senadora democrata Dianne Feinstein
após a denúncia de Snowden. Obama não foi menos enfático: "É preciso
admitir que não se pode ter 100% de segurança e, ao mesmo tempo, 100% de
privacidade e nenhum inconveniente”.
Eis a consagração do Estado Policial, capaz
de controlar todos os seus cidadãos. O medo do terrorismo doméstico faz com
que, hoje, 56% dos estadunidenses apoiem a vigilância telefônica e eletrônica
da população.
Temos, então, um arremedo de democracia. Uma
democracia sem liberdade e privacidade. Comprovar que democracia e liberdade
individual não são compatíveis é, sem dúvida, uma vitória de Osama Bin Laden.”
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