Os mundos interior e exterior de Eliane Brum

Autora conta sobre o dia em que sua afilhada
descobriu que as pessoas também quebram e
são quebradas pela vida / maurilo clareto


Quinto livro da repórter gaúcha, 'A Menina Quebrada' reúne 64 textos que fazem refletir sobre o Brasil, o mundo e a vida que existe dentro e fora de cada um

Xandra Stefanel, RBA

“Viver, Catarina, é rearranjar nossos cacos e dar sentido aos nossos pedaços, os novos e os velhos, já que não existe a possibilidade de colar o que foi quebrado e continuar como era antes." Este trecho faz parte da crônica A Menina Quebrada, que integra e intitula o novo livro de Eliane Brum. No texto, a autora conta sobre o dia em que sua afilhada, a pequena Catarina, descobriu, atônita, que as pessoas também quebram − e são quebradas pela vida.

A tristeza com que a Eliane descreve o arrependimento que teve quando mentiu à criança que a menina quebrada logo voltaria a "ser como era antes" é tocante. "E, se as meninas quebram, você também pode quebrar. E vai, Catarina. Vai quebrar. Talvez não a perna, mas outras partes de você. Membros invisíveis podem fraturar em tantos pedaços quanto uma perna ou um braço. E doer muito mais. E doem mais quando são outros que quebram você, às vezes pelas suas costas, em outras fazendo um afago, em geral contando mentiras ou inventando verdades. Gente cheia de medo, Catarina, que tem tanto pavor de quebrar, que quebram outros para manter a ilusão de que são indestrutíveis e podem controlar o curso da vida."

Assim como este, os outros 63 textos do livro foram publicados no site da revista Época de junho de 2009 a janeiro de 2013. A compilação lançada pela Arquipélago Editorial reúne colunas que expõem as opiniões e sentimentos da repórter sobre os mais diversos temas: infância, juventude, relações familiares, amor, prazer, imprensa, religião... Sim, a temática é bem extensa e não dá para dizer que Eliane agrada em qualquer assunto − em política, especialmente. Mas quem é capaz de agradar a todos? A proposta dela talvez seja exatamente o contrário: mais do que convencer, seus textos parecem sugerir reflexões. E, em geral, são reflexões interessantes, por mais que possam nos levar a caminhos diferentes dos que costumamos percorrer. Ou talvez exatamente por isso.

Assim como em seu segundo livro, A Vida que Ninguém Vê, Eliane conquista o leitor pela delicadeza de seu olhar e das palavras que escolhe para descrever o mundo a partir das bordas. Sua narrativa flui, natural, especialmente quando aborda o que chama de "desacontecimentos": "(...) escrevo sobre a extraordinária vida comum, sobre o cotidiano dos homens e das mulheres que tecem os dias e também o país, mas nem sempre são contados na história. Sobre aquilo que se repete e, por equívoco ou por miopia, é interpretado como banal. Ao empreender essa narrativa, busco subverter o foco, embaralhando os conceitos de centro e de periferia. Sou uma repórter de desacontecimentos", afirma no texto de apresentação.

Ao explicar o intuito do livro e de sua coluna semanal, ela vai além: "Não escrevo para apaziguar, nem a mim nem a você. Para mim só faz sentido escrever se for para desacomodar, perturbar, inquietar. Não pela polêmica fácil, pelo truque, mas pela busca honesta por compreender a época em que vivemos. Sem esquecer nem por um segundo que escrevo imersa neste tempo histórico e que as verdades são criaturas fugidias, que se escondem às vezes nas vírgulas do cotidiano".

É exatamente isso o livro A Menina Quebrada: um retrato 3x4 desses tempos etéreos e efêmeros em que, como já disse Marx, tudo o que é sólido desmancha no ar. Eliane Brum é autora dos livros de reportagem Coluna Prestes – O Avesso da Lenda, A Vida que Ninguém Vê e O Olho da Rua – Uma Repórter em Busca da Literatura da Vida Real, e do romance Uma Duas. Durante 11 anos ela trabalhou no jornal Zero Hora, de Porto Alegre, foi repórter especial de Época por dez anos e co-dirigiu os documentários Uma História Severina e Gretchen – Filme Estrada.

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