‘Muitos gays, como o personagem rejeitado
pelo pai na novela, fingem ser héteros para não sofrer discriminação e
preconceito. Eles sofrem de algo que se chama ‘heteronormatividade’
“Na última semana tivemos cenas ontológicas da situação da homossexualidade na televisão brasileira.
Parabéns à direção da Rede Globo e da novela Amor à Vida, principalmente Walcyr Carrasco e todas as pessoas envolvidas.
O personagem Félix (Mateus Solano) foi realmente o grande destaque.
Nos meus 30 anos de ativismo pelos direitos humanos LGBT, tenho presenciado muitas situações muito parecidas com a vivenciada pelo personagem Félix. Muitos gays fingindo ser héteros para não sofrer a discriminação e o preconceito reinante em nossa sociedade. Eles e Félix sofrem de algo que se chama “heteronormatividade”.
É um termo usado para descrever situações nas quais orientações sexuais diferentes da heterossexual são marginalizadas, ignoradas ou perseguidas por práticas sociais, crenças ou políticas.
Seu pai, Cezar, representa muito bem o papel do machista homofóbico tradicional, espelhando também os religiosos fundamentalistas, que fala de boca cheia que não tem preconceito, mas contratou uma garota de programa para “curar” seu filho. Culpa a mãe pela educação. Ameaça deserdar, ridiculariza e tudo mais. Infelizmente, isso acontece muito na realidade brasileira.
Na última semana, o município de Três Lagos
(MS) foi palco de uma violência pautada na homofobia que assustou o
Brasil. Um menino de 16 anos apanhou do pai por ser homossexual. Foi a mãe
do menino quem denunciou o marido à Polícia Civil. “Ele bateu na cara do
menino, derrubou ele no chão, montou em cima e continuou dando socos e tapas em
seu rosto e humilhando, dizendo que gay tem que apanhar mesmo, que é lixo,
vagabundo”, contou a mãe à polícia.
A mãe ainda relatou que, para salvar o
menino, ela e os outros filhos o levaram para a casa da avó. Mesmo assim, o pai
foi até lá e voltou a agredi-lo. “Bateu a cabeça do menino no chão e dizia que
estava ‘endemoniado’ e que iria tirar o capeta dele na unha”, contou – bem
ao gosto de certos pastores fundamentalistas cujos nomes não citarei.
Este é apenas um caso dos mais de 9.982 violações que a Secretaria de Direitos Humanos (SDH) da Presidência da República divulgou, no mês passado, o Relatório sobre Violência Homofóbica 2012, elaborado a partir de registros do Disque 100, da própria SDH, do Ligue 180, da Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM), e da Ouvidoria do Sistema Único de Saúde (SUS), do Ministério da Saúde.
O documento aponta um crescimento de 166,9%
no total de denúncias sobre violência homofóbica em relação a 2011 – o número
de casos denunciados saltou de 1.159 para 3.084. Já o número de violações –
cada denúncia pode contar mais de uma violação – subiu de 6.809 para 9.982, o
que indica um aumento de 46,6% em relação ao ano anterior.
Também nesta última semana o papa Francisco
falou de forma enfática: “Se uma pessoa é gay, procura Deus e tem boa vontade,
quem sou eu, por caridade, para julgá-la? O catecismo da Igreja Católica
explica isso muito bem. Diz que eles não devem ser discriminados, mas
integrados à sociedade. O problema não é ter essa tendência. Não! Devemos ser
como irmãos”. Esta linha de pensamento do papa, bem como a discussão da novela,
uma das mais assistidas do Brasil, traz a discussão para os lares brasileiros.
Esta realidade tem de ser amenizada, ou
melhor, acabar. Para isso, precisamos que a criminalização da homofobia no
Brasil seja aprovada – PLC 122 – e que os gestores da educação tenham e
efetivem o compromisso de planos e ações para respeito à diversidade do ser
humano, inclusive o respeito à diversidade sexual.”
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