Quer uma sarna pra se coçar?



“Aproveite a promoção deste camelô banguela que agita os braços e a voz na calçada ali da frente.  Sempre sorridente (cara de emoticon) o sr. Jurássico (é o nome dele) percorre, incansável, ignora-se quantas ruas, botando banca e presença de ofertas. Cheio de si, de reluzentes quinquilharias ele desafia o tráfego, além dos transeuntes neuróticos amontoados em pencas, como cachos de banana brotando do asfalto.  Quer sarna pra se coçar? 

Chá de urtiga, namorado com mau hálito, mulher chata que grita mais que vuvuzela em frenética partida de futebol de estádio superlotado. O sr. Jurássico tem de tudo, pra deixar você mais feliz ou desgraçado do que costuma ser. Escolha logo, pois a liquidação ferve apinhada de olhos mais buliçosos que besouros em pleno cio.

Despertador que não desperta, rádio sem antena, tênis branquinho Hadjidas, bilhete de loteria premiado. Que arrumar pirações pra sacudir neurônios preguiçosos? Escute músicas de uma nota só, se esfregue num Saci-Pererê, sorvendo o cachimbo de fumo mais vagabundo que na lenda, roube um montão de balinhas de restaurante a quilo, até o assistente do ajudante de garçom lhe dizer: “Pode não, moço — esse agrado a casa oferece só para as crianças”.

A gente nem se dá conta, vamos combinar. Mas arranja coceira de tudo que é jeito quando resolve comprar aquele sapato de verniz vermelho-fatal, de salto altíssimo, como os usados por manequins-equilibristas-anoréxicas em desfile-fashion. É quando arrebenta a bolha no calcanhar, berra o joanete, uiva a unha encravada. Quem mandou colocar a vaidade sobre o bom senso. Veja o resultado.

Ou então inventa histórias, no seu livro habitual de manias e decide por gel-fixador nos cabelos, pra ficar com a cara arrepiada-de-sustos-pós-moderno e agradar a gatinha que rebola à sua frente no meio da festa. Será que funciona?

Sarna pra se coçar é uma expressão que atravessa todos os tempos sem pressa, bocejando diante das viradas dos séculos.  Se enfiar em roupa justa e espirrar. Falar de religião pra surdo ou ateu. Nem tente.  Passar no pescoço perfume-fantasia com aroma de torre Eiffel decadente — e perguntar pra sua companhia da noite: “Curtiu esse meu cheirinho-malvado?” Ulala.

Importa sublinhar que na banca do sr. Jurássico tem tudo de mais moderno lançado na praça — ou  enfiado nos ouvidos dos incautos compradores de ocasião. Jogo de bonecos de marionetes para quando você estiver se sentindo completamente robô e quiser esquecer um pouco do inevitável processo de androidização em curso. Coisa de doido. Não dá pra controlar o mundo, é vero, então, se o capitalismo e a sedução da publicidade tentam te fisgar, faça teatro. Monte uma cena. Fuja um pouco das vorazes entranhas do consumo e ponha marionetes pra interagir em seu lugar, deslizando em cima de um palco improvisado. Aí você é que manda. Faz com os bonecos o que entender.

Outra sarna pra se coçar, dar de cara com uma figura intelectual que te chama direto pra exposições, mas não se expõe nem um pouco pra você na intimidade, nem deixa que você exponha em momento algum suas opiniões. Quem expõe é dono de galeria, marchand, vendedor de quadros abstratos de feira de artesanato conhecida.

Quem tem direito a se mostrar também é aquela piriguete que parece estar com tudo em cima, ainda que este “tudo” seja todo siliconado. Coxonas, bunda, nariz empinado da última cirurgia plástica paga parcimoniosamente em 12 vezes sem juros.


Se não quer se meter em encrenca, nem cutucar leão com vara curta, fique na sua. Ou melhor, na minha. Na dos outros, até. Porque aí você se mistura com a massa, com a cultura de massa, com a massa do bolo com sabor de dupla sertaneja de fundo de quintal de cimento, recheada da alegria barata e sem açúcar de uma plateia sem sonhos. Nesse instante, você fica pianinho. Igual a todo mundo.  Não se customiza, individualiza, nem se singulariza. Não chama a atenção de ninguém. Eba.  Ponto pra você.  Golaço, meu camarada. É isso que se espera de alguém com um mínimo de caroço de abacate na consciência. Se não desejar ver a multidão se transformar no incrível Huck, tomada de verde-ódio, não saia por aí despejando descalabros a torto e a direito. Vai chamar alguém de bosta, canalha, infame. Vai chamar político de ladrão, seu Mané? Maior bobeira. Político é que nem hiena, quanto mais come porcaria, mais se lambuza e ri.  Enquanto isso, você escorrega feio em casca de banana, como advertiria a minha avó. Ser ave de rapina, também é elogio máximo, no dicionário de político que já vendeu a mãe, a madrasta e até o pai, faz um tempinho.

Agir assim é arrumar confusão. Coceira pra sua existência. Alergia na caixa de pensar besteiras. Pra que ter dois ou mais amantes (palavra empoeirada essa, não?) se você pode ter um só? Dois animais de estimação, — seu marido e o cachorrinho pulguento salsicha — ao invés de três — se você decidir incluir na azeda história familiar a jararaca da sua sogra.

Raciocine: se não dá para agir como mineiro, discreto, disfarçar, assoviar olhando o teto de um céu nublado, não se mexa.  Caso não pretenda estar por perto quando a onça for beber água, pegue um conselho — ou três advertências em promoção, lá da banca do amigo Jurássico. Sai baratinho, pode conferir: um baralho pra jogar “fique em cima do muro”. Mais dicas: esconda tudo quanto é achismo e interjeições tresloucadas debaixo da cama antiga e teimosa que jurou de pé junto jamais abandonar seu quarto. Porque pra bom entendedor metade de meia palavra basta.

Quem sabe o simpático camelô banguela, que tem nome de anteontem, mas está sempre ligado nas novidades, lhe ofereça um chá pra dor de corno, cotovelo, coração partido, solidão enferrujada e outras mazelas desbotadas que se espalham pelo corpo.

Agora, se você mudou de ideia e resolveu parar de colecionar problemas, sobretudo porque não cabem em cofrinho de porco cor de rosa. Nem tampouco conseguem vaga em álbum de filatelistas (repletos de selos raros, de séries do século 19) não se meta em buracos alheios.  Mesmo que estes buracos o hipnotizem, reluzindo feito sereias míticas azuis. É melhor ter um passarinho na mão do que dois voando.

Então, meu chapa, não se meta a falar inglês, se você só conhece o embromês. Aprender chinês é brabo: vai ter que estudar, fazendo pose de iogue de cabeça pra baixo. Mandarim, cantonês — “Mas dá dinheiro, hoje, no mercado de trabalho, arrotar idiomas exóticos” você acrescentará, com certa aflição.

De qualquer forma, deixe pra lá. Tudo bem quieto e compenetrado diante da opulenta imagem do Buda — sempre sorrindo enigmaticamente como a Monalisa (que já percebeu estar fora de moda fazer escova progressiva para deixar os cabelos de diva-retos). A musa agora  resolveu virar Monacaheada, porque dá mais balanço e movimento e leveza à célebre pintura.

Pare de chamar urubu de meu louro, chipanzé de macaco prego, não confunda lagartixa com filhote de jacaré porque não convém à saúde. Mas, apenas lembrando, como o sr. Jurássico tem chá de urtiga, barba de bode, pó de mico e creme de mela-cueca em promoção, não custa nada conferir .

Entretanto, não se esqueça de — no meio do caminho — dar bom dia a cavalo, pensar que cassetete de policial é varinha de mágico e que a cocada da esquina da frente, perto da banca do amigo camelô é feita com leite de vaca. E se por acaso, durante esse trajeto, alguém chamar sua mãe de vaca, não ligue, se mostre superior.

Coice neste momento não se prescreve. Não é sarna que preste pra se coçar. Limite-se apenas a dizer em baixo e bom som, um solene e indiferente “vai pastar”. Porque na vida tudo é pasta. Assim alardeia todos os dias  o sr. Jurássico,  sempre banguela e cercado de unguentos,  nãoguentos e remeduras curiosas, para curar algumas frieiras da vida e outras  desmazelas alternativas.”

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