Caim Entertainments presents: free violence



“Eu poderia simplesmente intitular esta crônica na nossa língua pátria, valendo-me dos vernáculos em português. “Caim Entretenimentos apresenta: Violência Gratuita”. Não. Os brasileiros — dos mais humildes assalariados até os ricaços viajantes metidos a sabichões bilíngues — flertam o tempo inteiro com o glamour do estrangeirismo, o que não deixa de disfarçar um bocado o complexo de vira-latas, de nação inferior e subdesenvolvida, no que tange a índices como PIB, IDH e a PQP.

Desde que Caim trucidou seu irmão Abel com uma queixada de jumento, o homem chafurda no lamaçal da iniquidade, flutuando entre ferramentas letais mais simples, como os punhais ou os próprios punhos, até armas de dizimação em massa, como o fumegante napalm, bastante utilizado pelos estadunidenses para fritar vivos os seus inimigos no Vietnã; e o gás sarin, pulverizado impiedosamente por Saddam Hussein sobre os curdos e, recentemente, por Bashar al-Assad contra rebeldes sírios.

Aliás, circulou a rodo pelas redes sociais, imagens degradantes, muito mais que anti-sociais, de gente morta por asfixia empilhada que nem salame em Damasco, muitas delas, crianças que pareciam feitas de cera, amontoadas com adultos agonizando, debatendo-se em abalos musculares catatônicos dos mais grotescos. As estúpidas cenas de crueldade captadas pelo celular de algum maluco fazem tanto sucesso na web quanto os ursinhos carinhosos, as mensagens alvissareiras, e as pirâmides em busca de dinheiro. É muita miscelânea pra pouca Caixa de Pandora.

O ser humano é a única criatura deste enodoado planeta que se regozija com a morte e a crueldade. Porque há, sim, animais que utilizam a força bruta para conseguir comida, proteger a prole, disputar fêmeas para o acasalamento, enfim, motivações primárias, instintivas, levadas a termo com a incumbência de perpetuação da espécie, se é que eu me fiz entender. Se não consegui, ótimo. Eu prefiro confundir; se não muito, divagar.

Falando em divagação, fui incumbido pelo meu editor para entrevistar um polêmico comediante da TV, cujo nome não posso revelar aqui (?!), e que anda faturando horrores Brasil afora com os seus “talking shoes” (sapatos falantes): ria agora ou tome um pé na bunda! Valendo-me de um covarde e conveniente anagrama, chamarei aqui o meu entrevistado de “Farinha Bostas”, a fim de evitar processos judiciais em estado avançado de decomposição sobre este texto.

Pra quebrar o meu ranço dos últimos dias por conta da mortandade na Síria e na cidade onde eu moro (traficante tá matando só pra ver o tombo), a conversa com Farinha Bostas foi mais hilária que pronunciamento de Senador da República para um plenário vazio, e seguiu maliciosa até o fim, entremeada com trocadilhos infames do tipo “detrito federal”, ao invés de “distrito federal”; “escória da unanimidade”, ao invés de “história da humanidade”; e “dois bagos indecentes”, ao invés de “embargos infringentes”. Como diriam a árvore da esquina e o meu psiquiatra, a entrevista foi um ataque de loucura.

Eu — Em termos de piadas de mau gosto, dá pra concorrer com a Liga da Justiça em Brasília?

Farinha Bostas — Certeza obsoleta. Neste caso, rir é o menor remédio. É o sim da picada.

Eu — Como conviver, a partir de agora, com a certeza da incerteza, em termos de que a justiça vigore no Brasil, igualitariamente, para pobres e ricos, para socialistas e capitalistas, para ignorantes e doutores, para jogadores de sinuca de botequim e praticantes do golfe?

Farinha Bostas — Só com uma tara de misericórdia nas têmporas. Virou uma sacanagem. Estou perplexo explícito.

Eu — A quem recorrer, além da pinga, dos livros de autoajuda, da igreja ou do surto esquizofrênico?

Farinha Bostas — Só nos resta o Mistério Público. Ao menos, por enquanto. Pois até ele estão querendo controlar. Oremos, irmão!

Eu — Como consertar a porra deste país, meu velho?

Farinha Bostas — Tomando vergonha na cara e vitaminas de radicais livros. É melhor fazer trocadilhos do que troca-troca, não acha?

Eu — Você também é contrário ao voto secreto na Câmara?

Farinha Bostas — Eu sou favorável ao vate secreto na cama. Não há cefaléia ou virilha humana que resistam a um bom poema do Vinícius.

Eu — E aí, man: Caras Pintadas ou Black Blocs?!

Farinha Bostas — Eu sei que o clima não está favorável para as piadas racistas e homofóbicas (você e meus advogados sabem muito bem que eu curto demais tudo isso), mas… Cara, eu penso que aqueles garotos do “New Kids On The Block” já levaram uma pintada.

Eu — A violência prolifera pelo país mais que refrão de música onomatopeica no ouvido da gente. O desgoverno já cogita, até mesmo, criar uma Bolsa Família à Prova de Baladas Sertanejas para os cidadãos desassistidos de Segurança Pública. Como combater essa matança de gente e de MPB nas grandes ociosidades do país? Como deter a epidemia de dengue, estádios de futebol e crack, mano?

Farinha Bostas — Convocando Mais Médiuns para a Copa de 2014 e menos pernas-de-pau para o jogo do poder. Segura na mão de Deus e vaia."

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