Rodolpho Motta Lima, Direto da Redação
“O texto do
Urariano Mota me animou a dar continuidade ao tema das biografias
autorizadas. O Eliakim sabe que minha coluna para o domingo passado era
sobre esse assunto. Cheguei a mandar-lhe o artigo, mas resolvi trocá-lo pelo da
música popular, porque não me senti inteiramente convicto da posição que então
estava tomando.
Se fosse me deixar levar por
simpatias ou por aproximações ideológicas, não teria dúvida nenhuma. É que, de
um lado – dos que são a favor da proibição das biografias não autorizadas -,
estavam artistas da nossa ambiência artístico-cultural do porte de um Chico
Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan e outros. Gente que admiro
de muitos carnavais, principalmente o autor da “Banda” e de “Budapest”.
E do outro lado,
encontravam-se Joaquim Barbosa, Merval Pereira e os editoriais do Globo, de
cujos pensamentos e/ou posturas não me aproximo nem um pouco. Mas isso seria
reduzir o debate e desqualificar opiniões sem lhes discutir o mérito. Seria
maniqueísmo. Até porque, a bem da verdade, os contrários à proibição contam com
personalidades que igualmente respeito.
Zuenir Ventura, Carlos Heitor Cony, Ruy
Castro, João Máximo, Regina Echeverria e agora o Urariano, estão entre os que
defendem a tese de que, em nome da própria liberdade de expressão, é
inconcebível ter que pedir licença a alguém para produzir biografias
Os componentes do grupo
“Procure Saber” enfatizam o fato de que as biografias sem controle ensejariam
uma intromissão na privacidade dos biografados, que teriam o direito de não
querer ver expostos ao público episódios de sua vida que os possam
denegrir. Também argumentam que isso é ainda mais condenável quando se pensa
nos grandes lucros que os autores das biografias podem obter com a sua obra. Seria,
assim, uma perversa possibilidade de ganhos materiais para uns em troca das
perdas morais para outros. E são contraditados pelos que afirmam que a
supressão desse direito constituiria uma explícita forma de censura e que a
legislação já dispõe de mecanismos capazes de permitir, a um biografado
que eventualmente se julgue atingido do ponto de vista moral, que processe o
biógrafo, por injúria, calúnia, difamação ou algo assim.
O compositor Djavan, cuja
excelência artística ninguém discute, considera que as biografias não
autorizadas acabam por “privilegiar o mercado em detrimento do indivíduo”,
acrescentando que “editores e biógrafos ganham fortunas enquanto aos
biografados resta o ônus do sofrimento e da indignação”. Mas o escritor
João Máximo, que nos brindou, por exemplo, com a maravilhosa biografia de Noel
Rosa, usa palavras candentes para refutar esse argumento, lembrando, que os
biógrafos que ofendam a verdade devem ser processados, mas que se deve
respeitar o escritor que, “ao biografar seriamente um homem público
brasileiro, contribua de alguma forma para contar um pouco da História do
Brasil.”
É complicado ficar contra o
direito à privacidade. Mas é muito mais perturbador colocar-se a favor de algo
que, queiramos ou não, tem um viés de censura. E temos razões para temer que, a
uma determinada proibição voltada para situações restritas, possam vir a
seguir-se, por analogia, outras restrições à expressão que acabem levando à
sistematização da censura que os brasileiros não podem admitir de volta, em
hipótese alguma.
É claro que, nesta sociedade
ávida por fofocas e perverso sensacionalismo, não é improvável que biografias
busquem invadir aspectos bem pessoais, reproduzindo posicionamentos
invejosos, vingativos, ou simplesmente mercantilistas. Por outro lado, é
difícil imaginar um desses nossos políticos “representantes do povo”
desfrutando – em nome da privacidade - do direito de proibir que se
divulguem fatos que certamente alterariam o juízo do público a seu respeito e,
quem sabe, a própria interpretação de momentos significativos de nossa
história.
Biografias só despertam
interesse quando dizem respeito a pessoas que cresceram sustentadas pelo
público – políticos , artistas ou outras notoriedades. Se não puderem ser
autênticas, se tiverem que ser “avalizadas” pelos biografados, mentirosamente
“glamourizadas” para atender ao egocêntrico estrelismo de nossas
“celebridades”, é mesmo preferível que não se produzam, porque não estarão
contribuindo para qualquer esclarecimento e não trarão contribuição alguma para
o nosso ambiente cultural. “Biografia autorizada” é parente bem
próxima do narcisismo, do autoendeusamento, algo com que a sociedade
contemporânea já convive de modo hiperbólico.
A antiga filosofia, que
mantém perenes muitas de suas afirmações, apregoa que “a virtude está no meio”.
Isso, porém, pode não ser verdade para muitas situações (estou aqui lembrando
do PMDB e de outras posturas “cinzentas” que são, na realidade, oportunismos
casuístas que nada têm de virtuosos). Quando se põe em risco a liberdade de
expressão , não há como ficar em cima do muro, não há como condescender
com qualquer tipo de argumentação favorável à proibição. Definitivamente,
essa é a posição que a cidadania exige.
Pensando em Chico e Caetano,
fico aqui imaginando que, se eu tivesse a sensibilidade e a virtuosidade deles
no trato estético da língua, na certa lhes estaria agora dedicando uma
composição fundamentada neste assunto. E, pedindo-lhes desculpas pela óbvia
apropriação, o título da composição seria algo como “Apesar de vocês,
é proibido proibir”...
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