Pequena bula de como viver na pressa, com paz e muita ginga


Graça Taguti, Revista Bula

“Hei essa proposição aí de cima é meio que absurda, né. Porque hoje — sem climas de sadomasoquismo, explicando logo de saída — a gente passa os dias inteiros chicoteados pelo tempo. A maldição dos segundos. Que jamais param nem pra respirar. Ou mesmo tomar uma água.  Droga. Tempo, tempo, tempo, tempo, até a música clama. O fato é: não conseguimos, até o momento desarmar essas engrenagens confusas dos relógios da nossa existência, que bebem energéticos gasosos continuamente.  E rodam em círculos, martelando as nossas atividades e tarefas, como filme de terror, na pressão. E na moral. Ninguém discute os domínios do tempo.

Pelo menos o tempo cronológico. Ou o meteorológico. Os tempos de dentro, que até ousam tricotar em cadeiras de balanço, dentro da nossa cabeça, são de outro departamento. Ali, se você não permitir ninguém se intromete.
Tem que correr, tem que brigar, tem que vencer, tem que malhar. O corpo assim, todo-todo bombando feito um chester, ave transgênica de primeira #catchigoria. E tem mais: que se dane se a forma, se a embalagem não possuir nenhum conteúdo, combinado.

O que importa é aparecer, simular, causar, gíria #dahora.  Representou? Photoshopou? Se deu bem, mano. O futuro? #jáé. Então, galera, partiu aflição, na língua dos tuiteiros.

O que tem de gente roendo as unhas, esconjurando gastrites, úlceras, tentando exorcizar, expulsar do corpo a síndrome do pânico nem dá pra calcular neste minuto tenso.

A obsessão geral é arrancar da cabeça esse tremendo intruso, penetra total. O déficit de atenção que não cabe em nenhum e-book da amazon. Em nenhuma fórmula ansiolítica.

O esquema então é fazer uma amizade bacana, tentar discutir a relação, um lobby bem no clima político, com o Senhor Tempo Frenético da Silva Foi-se.

 Mas o desafio é a gente conseguir a façanha de fazer ele ficar quieto,  um instante que seja,  pra acertar os ponteiros com a gente. Papo sério. Só com um choque elétrico nos ponteiros acompanhado de um tratamento de sonoterapia profunda é a prescrição adequada pra deixar a aceleração repousar, flutuando na bobeira dos minutos plugados no sono.

Pausa para um bocejo — aliás, diga-se de passagem, a atitude mais revolucionária dos últimos tempos. Porque quando você abre a boca pra relaxar um pouco, além de entrar mosca, entram também alguns segundos que estavam marcando bobeira, na sua hiperlotada agenda de compromissos. Joga fora no lixo, como cantaria Tim Maia.  Vai. Pode bocejar sim, do jeito mais comprido que você puder. A saúde agradece, revigorada.

Porém me explica, enquanto há tempo, pra que acordar ligado na vibe da neura e num astral meio punk-frenético. Tomar banho rapidinho, como numa história de cinema mudo, escovar os dentes pela metade, esquecer de passar desodorante. Dar meio beijo, só de relance, no namorado ou namorada, que pesca mais alguns segundos no pseudo relax da horizontal.

Aí engolimos meia banda de pão, meia xícara de café amargo, mas não faz mal se esquecer do açúcar, que a vida é doce, pô, basta provar. Sorrisos sem sacarina dependem de nós, mané.

Ihh, você na pressa fez só meia barba.  Pintou só um olho, saíu com o sapato trocado, a meia furada, de um pé avulso. Mas sem problemas. Hoje é dia de rock, bebê.

Conselho. Antes de sair de casa, desenhe assim tosco mesmo, um relógio em uma folha de papel que você possa levar discretamente no seu bolso. Então, quando a coisa começar a apertar pro seu lado, em pleno frenesi do escritório, com a bocarra do seu pequeno e maluco chefe, mais parecida com a de um faminto cachorro dobermann (ok — sabemos que existem dobermanns com alma de poodle, calma), no minuto em que ele parar de berrar, pra tomar um fôlego que seja, tentando apavorar você com prazos do tamanho de um gorila superinsano, pegue devagar o seu secreto relógio de papel do bolso.

E assim vá cometendo pequenos assassinatos nas horas ao longo do dia. Esquarteje rasgue devagar, na maldade, em câmara lenta, um quarto do relógio. Perfeito.  Putz mas ele ficou manco, aleijado, esse croqui-de-relógio. Essa é a ideia. Depois, mais espertezas. Vá anotando.

Adiante 15 minutos no seu relógio digital, ou no smartphone, pra deixar o tempo lá pra trás. Chupando dedo, com cara de besta, de espantalho. Enquanto você, na maratona das vantagens, já se colocou na linha da vitória, percebeu.

Depois é só chamar o rabecão pra levar o defunto, ou a dona morte, com uma pá tão gigantesca como a foice que ela carrega, para enterrar o ex-tempo, o yeah, no Cemitério dos Sorrisos Parados no Ar.

Hora de ir pra casa. Eba, você ainda deu uma volta no indivíduo da chefia e saíu 15 minutos antes, porque seu relógio tem garantia, e o tempo é só seu e ninguém tasca.

Assim, de noite, em vez de engolir uma pizza às pressas, enquanto assiste-filme-seriado-documentário-música MBB (Música Boa Brasileira) — todo zarolho pela aflição costumeira, dê um tempo.

Um pitch stop nessa carroceria, meu irmão. Em seguida, peça pro amor da sua vida (ainda que seja um amor #dahora) pegar aquela cervejinha colada na serpentina do seu freezer, isso, essa mesmo, que está travestida de esquimó + mais urso polar.

Belisque junto uns amendoins sacanas, com casquinha e tudo pra fazer um creck quase tão gostoso como a sonoplastia de ruídos especiais do cinema e… Respire fundo. Com um bocejo de sobremesa, claro.

Relaxeeee agora. Quer assistir o jogo na teve e comentar ele no Twitter? Manda ver. Sua gata ou o gato está no quarto na maior fissura, jogando mais uma desvairada partida de candy crush e destruindo todo o saco de jujubas que existia antes sobre a cama?

Fique na paz. Cada um na sua e todos na maior. Só pra lembrar, a escravatura acabou.  Pelo menos uma lei da abolição foi decretada por essas bandas no século 19, pela famosa Princesa Isabel.

Então, é hora de chamar o Samuel, a Natália, a Letícia, o Pedro, quem você quiser, para entoarem juntos o mantra dos relógios zerados. Na sequência, encha a boca de concentração e cante, repetindo a palavra-zen algumas vezes, depois de longas pausas. Zerooooo. Zeroooohmm.

E aí, zerou geral?  Maravilha.  Você agora esta 100%. Esta crônica promete.”

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