“Na Grécia, o cinema surge como veículo de
representação das consequências particulares da crise, que sabemos serem as
mais trágicas.
De forma radical, “O Garoto que Come Alpiste” ensaia uma resposta. A proposta do diretor Ektoras Lygizos é fazer com que vejamos de perto as consequências da crise na vida de um jovem desempregado. Para isso, coloca a câmera sempre muito próxima de seu protagonista de 20 e poucos anos, o que faz com que não sejamos poupados de nada, suas escatologias inclusive - o título não tem nada de metafórico.
O distanciamento das noticias de jornais acima citadas não tem espaço aqui. O choque causado pelo gozo que vira alimento não é gratuito, Lygizos não tem qualquer intenção de atenuar a situação em que o país se encontra. Seu talentoso protagonista com voz de tenor desmaia de fome num teste. Resta-lhe o telemarketing, para o qual não possui qualquer vocação. Um mergulho visceral na crise grega.
A radicalização e o chocante estão igualmente presentes em “Miss Violence”, mas a relação com a crise financeira é menos direta, repousando no campo do alegórico. Angeliki se atira da varanda durante a comemoração de seu aniversário de 11 anos. No apartamento em que morava, habitam seus avós, sua mãe, seus irmãos mais novos e uma tia poucos anos mais velha do que ela. A forma um tanto fria com que a família lida com o suicídio evidencia que há algo de errado. A resposta gira em torno do autoritário patriarca e nos é apresentada de forma perturbadora. O filme do diretor Alexandros Avranas expõe, assim, o desmantelamento da instituição familiar grega, e as atuações sem expressão representam um país impotente, dependente de alguém mais forte.
“Miss Violence” faz parte de um movimento no cinema grego atual conhecido como Greek Weird Wave, que abarca outros filmes como “Dentes Caninos”, “Alpes” e “Attenberg”. Têm em comum a representação da decadência e falência da família e da sociedade grega em geral. Assim como a “A Filha” e “O Garoto que Come Alpiste”, simboliza uma ruptura com o cinema de contemplação e de referências mitológicas do mais importante diretor grego, Theo Angelopoulos, já duas vezes homenageado pela Mostra. São filmes, portanto, cuja linguagem se coloca de acordo com as atuais contingências sociais e políticas do país.”
Rodrigo Giordano,
Carta Maior
Os jornais e a TV nos trazem dados e
porcentagens sobre dívida pública, empréstimos, pacotes de austeridade,
desemprego. Temos acesso, portanto, a um leque de informações a respeito da
crise financeira grega como um todo, mas pouco sabemos como ela atinge a rotina
do cidadão. O cinema surge, então, como veículo de representação dessas
consequências particulares, que sabemos serem as mais trágicas.
Em “A Filha”, Myrto percorre a cidade para procurar seu pai, que fugiu para evitar o pagamento de dívidas. Pelo caminho encontra um sujeito violento que a cobra contas do condomínio que não foram pagas, uma fila enorme no banco, uma manifestação violenta. Assim, logo de cara o diretor Thanos
Em “A Filha”, Myrto percorre a cidade para procurar seu pai, que fugiu para evitar o pagamento de dívidas. Pelo caminho encontra um sujeito violento que a cobra contas do condomínio que não foram pagas, uma fila enorme no banco, uma manifestação violenta. Assim, logo de cara o diretor Thanos
Anastopoulos nos expõe à invasão do privado pelo
público, a qual permeia toda obra. A garota de 14 anos sequestra o filho do
sócio de seu pai, e grande parte do filme se baseia na relação entre ambos e na
falta de noção de Myrto quanto às consequências de seu ato. Anastopoulos
retrata aqui a capacidade da crise em limitar a infância e a adolescência:
Myrto assume responsabilidades que vão muito além das que alguém de sua idade
deveria ter e é simbólico como passa a negar qualquer resquício de vaidade (não
troca mais de roupa, não solta mais o cabelo, deixa de usar seu anel). O que
será dessa geração de filhos da crise que a Grécia está formando?
De forma radical, “O Garoto que Come Alpiste” ensaia uma resposta. A proposta do diretor Ektoras Lygizos é fazer com que vejamos de perto as consequências da crise na vida de um jovem desempregado. Para isso, coloca a câmera sempre muito próxima de seu protagonista de 20 e poucos anos, o que faz com que não sejamos poupados de nada, suas escatologias inclusive - o título não tem nada de metafórico.
O distanciamento das noticias de jornais acima citadas não tem espaço aqui. O choque causado pelo gozo que vira alimento não é gratuito, Lygizos não tem qualquer intenção de atenuar a situação em que o país se encontra. Seu talentoso protagonista com voz de tenor desmaia de fome num teste. Resta-lhe o telemarketing, para o qual não possui qualquer vocação. Um mergulho visceral na crise grega.
A radicalização e o chocante estão igualmente presentes em “Miss Violence”, mas a relação com a crise financeira é menos direta, repousando no campo do alegórico. Angeliki se atira da varanda durante a comemoração de seu aniversário de 11 anos. No apartamento em que morava, habitam seus avós, sua mãe, seus irmãos mais novos e uma tia poucos anos mais velha do que ela. A forma um tanto fria com que a família lida com o suicídio evidencia que há algo de errado. A resposta gira em torno do autoritário patriarca e nos é apresentada de forma perturbadora. O filme do diretor Alexandros Avranas expõe, assim, o desmantelamento da instituição familiar grega, e as atuações sem expressão representam um país impotente, dependente de alguém mais forte.
“Miss Violence” faz parte de um movimento no cinema grego atual conhecido como Greek Weird Wave, que abarca outros filmes como “Dentes Caninos”, “Alpes” e “Attenberg”. Têm em comum a representação da decadência e falência da família e da sociedade grega em geral. Assim como a “A Filha” e “O Garoto que Come Alpiste”, simboliza uma ruptura com o cinema de contemplação e de referências mitológicas do mais importante diretor grego, Theo Angelopoulos, já duas vezes homenageado pela Mostra. São filmes, portanto, cuja linguagem se coloca de acordo com as atuais contingências sociais e políticas do país.”
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