O futebol: brincadeiras e ufanismos


Rodolpho Motta Lima, Direto da Redação

Um dos leitores que enriquecem esta coluna com comentários, não me lembro bem a propósito de que, estranhou que eu não estivesse me pronunciando sobre o quadro político do país, tendo em vista as últimas alianças e as  próximas eleições. Penso que ainda é  cedo. É preciso esperar que todas as peças se coloquem convenientemente neste complicado e quase sempre incoerente panorama de ligações e coligações que apenas revelam um certo “mais do mesmo”...

Por agora, então, prefiro estender-me a outros campos mais amenos, mas não menos instigantes, dependendo da forma como os queiramos enxergar. O futebol, por exemplo.

Claro que não se pode esquecer o uso político que se faz do futebol em nosso país. Ele funciona, muitas vezes, como um amortecedor de tensões sociais que faz os brasileiros esquecerem nas tardes de domingo as agruras da semana inteira. E também é usado, em diversas oportunidades, como instrumento alienador de exaltação à pátria, um ufanismo carreado para o lado errado.

Contudo, é inegável que esse esporte ocupa um espaço considerável no mosaico cultural brasileiro. É indiscutível que a imensa maioria de nós ama o futebol e a ele dedica muitas  de suas horas de lazer.  Sendo assim enraizado no dia a dia nacional, não é raro  que ele nos propicie a abordagem de aspectos comportamentais que, em princípio, não são específicos das quatro linhas.

Dois recentes episódios, por exemplo, nos convidam a refletir sobre os valores das sociedades em geral, e da nossa em particular. Eles retratam visões que, aparentemente, nada tem de perigosas, mas que merecem uma análise, até porque segmentos expressivos da mídia repercutem essas posições, endossando-as e até amplificando-as.

A primeira delas tem a ver com uma frase do jogador Valter, do Goiás, na semana em que haveria um jogo decisivo com o Flamengo, que, interrogado se iria jogar (estava machucado) respondeu, rindo: “Vou deitar e rolar !”. A partir daí, o céu parecia ter desabado sobre o atleta, com comentários críticos beirando um convite à violência como resposta à “afronta” cometida.

Está aí um exemplo dessa praga que é o “politicamente correto”, essa coisa exagerada de ver  em tudo um lado maligno ou perverso. Ora, sabemos todos que parte do encanto do futebol reside em algo que acontece fora do campo, um pano de fundo para os jogos. São as gozações das torcidas, materializadas não apenas nos colossais coros que ecoam nos estádios, mas também nas criativas e humorísticas provocações nas mesas de bar, nas portarias dos prédios, no ambiente familiar e no trabalho.

O jogador Valter apenas “brincou” com os adversários. Sua frase se fazia acompanhar de um sorriso, o sorriso do “gozador”. A história do futebol está cheia de episódios assim, de provocativos diálogos extracampo. “Feras” como Romário, Renato Gaúcho, Edmundo, Túlio e muitos outros sempre promoveram as grandes partidas no cenário nacional. São conhecidas as frases do folclórico Dario – o Dadá Maravilha - , apelidando previamente os gol que faria. 

No episódio em questão, o errôneo conceito do “politicamente correto” poderia ter provocado despropositadas reações rancorosas a uma brincadeira. 

Amplificando negativamente mera frase de efeito, a mídia não contribuiu em nada para combater a violência que ela própria vem denunciando, dentro e fora de campo. Menos mal que o jogador acabou não jogando e, melhor ainda, que os jogadores do Flamengo, tendo vencido a partida decisiva, comemoraram o feito literalmente, deitando no gramado e deixando seus corpos rolarem pelo campo, numa grande gozação...  Brincadeira é só brincadeira e se responde com brincadeira.

O outro fato tem a ver com as estapafúrdias reações à decisão do jogador Diego Costa, brasileiro naturalizado espanhol, que optou por jogar pela seleção da Espanha e não pelo Brasil. O fato está convenientemente dissecado pelo José Inácio Werneck no artigo “A Pátria de chuteiras”.  Mas é assunto que também escapa ao cenário específico do futebol, porque traz embutida uma falsa noção de patriotismo. Falsa e hipócrita, eu creio.

O atleta saiu do Brasil adolescente, pobre, buscando ascensão social nos campos europeus. Lá perambulou por vários clubes, até que, na Espanha, está tendo seu valor reconhecido, pelos inúmeros gols que vem fazendo em um time que ousa emparelhar-se, na tabela, com o Barcelona, colocando-se à frente do poderoso Real Madrid . Ele não fez sua carreira aqui e deve à ambiência espanhola todo o seu êxito, seu crescimento cultural e esportivo,  razão que o fez escolher a “Fúria” como seleção.

É injustificável a reação de jornalistas e de pessoas do meio – como o técnico Luiz Felipe Scolari – que tentam rotular a decisão do atleta de antipatriótica.
 É o tal conceito da “pátria de chuteiras”, que acaba gerando posicionamentos tão candentes quanto superficiais – e por isso absurdos - sobre o assunto. Em um mundo globalizado como o que vivemos, cada vez mais as “cercas embandeiradas que separam quintais” vão ficando em segundo plano. Se não fosse assim, o próprio Felipão não poderia ter dirigido, sem qualquer problema, a seleção portuguesa, onde atuavam jogadores brasileiros naturalizados, como Deco e  Pepe. Nem cabe a alegação que esses jogadores nunca foram chamados para “defender” o Brasil, pois é notório que a “convocação” de Diego Costa, feita pelo selecionador brasileiro, seria muito mais para tirá-lo da seleção espanhola do que para aproveitá-lo na nossa...

É que, perdoem-me os que pensam diferente e os que seguem a expressão de Nelson Rodrigues, o conceito de “Pátria de chuteiras” está errado. Não se deve confundir futebol com patriotismo. E vou mais longe: amante do esporte, como me confesso, acho, no entanto,  que nossas preocupações devem estar voltadas, não para as chuteiras da pátria, mas para a pátria “sem sapatos e sem meias”, de que falou o grande Vinícius de Moraes no poema “Pátria minha”. E mais longe ainda: prefiro a frase “que vença o melhor” àquela que diz “temos que vencer usando quaisquer meios”, pois essa segunda é pouco educativa e (por que não?) extremamente perigosa...”

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