2014: um pouco mais do muito mesmo

"2014 deve ser marcado pelo espírito do título do presente artigo: um pouco mais do muito mesmo. As eleições talvez atuem como elemento de contenção de maldades. 

, Carta Maior

Final do mês de dezembro é sempre a mesma ladainha. Além das matérias abundantes sobre Natal e Ano Novo, os meios de comunicação abrem um pouco de espaço para retrospectivas do ano que passou e sobre as possibilidades para o período que vai se iniciar em 1° de janeiro. Nas editorias de economia dos órgãos de imprensa também ocorre algo semelhante, onde podem ser encontrados muitos artigos, entrevistas e outros textos tratando de balanços de 2013 e perspectivas para 2014.
Viaa de regra é material pouco analítico ou elucidativo, uma vez que os autores convidados se dividem entre os que defendem a política do governo e os que são mais identificados com um ideário de um liberalismo que se pretende mais autêntico. Outro ponto de corte é aquela tradicional separação entre os “otimistas” e os “pessimistas”, mas que na verdade se confunde mais com um desejo assemelhado às expectativas das torcidas uniformizadas quanto ao desempenho dos respectivos times no campeonato cujo início se avizinha. Como já ficou amplamente demonstrado, é muito baixa a capacidade de acerto das previsões a respeito do desempenho futuro da economia. Assim, há que se tomar com extrema cautela as perspectivas divulgadas para variáveis, como a taxa de inflação nos próximos 12 meses ou o índice de crescimento do PIB no mesmo período, uma vez que há chutes para todos os gostos.

O foco mais divulgado nessa passagem de ano tem sido a tentativa de se criar artificialmente um clima de alarmismo, como instrumento para justificar ainda mais austeridade na condução da economia. E não pode nunca faltar a prescrição do incansável remédio, sempre chamado pelo financismo de plantão: aumento da taxa de juros. Dessa forma, as previsões apontam para o risco de a inflação superar a meta de 6,5% em 2014 e, pior, para a suprema heresia de transformar, na prática, o limite superior da banda no verdadeiro objetivo a ser atingido. Os mais ousados da ortodoxia, já começam a clamar contra a flexibilização da política fiscal, exigindo que se volte às práticas antigas de cálculo do superávit primário.
Afinal, em nome da suposta necessidade de equilíbrio macroeconômico, a essa gente pouco importa que 3% de nosso PIB sejam direcionados para atividades do mais puro parasitismo financeiro: pagamento de juros da dívida pública em crescimento.
Previsões para 2014: poucas mudanças nos aspectos essenciais
Assim, todas as previsões das empresas de consultoria ouvidas pelo Banco Central e pelos responsáveis de economia dos meios de comunicação são quase unânimes em afirmar que não há espaço para reduzir a taxa SELIC dos atuais 10% ao longo do próximo ano e que a tendência será até mesmo de novas altas a serem promovidas pelo COPOM. Quanto ao crescimento da economia, há várias apostas a respeito do desempenho futuro do nosso PIB. As possibilidades vão desde os 3,8% constantes na Lei Orçamentária votado pelo Congresso Nacional até chutes minimalistas de 1,5% oriundos de alguns bancos e instituições financeiras. Como ninguém tem a prática de consultar as previsões passadas para verificar o quão irresponsáveis foram os equívocos cometidos, os mesmos indivíduos e empresas são sempre chamados a dar suas opiniões, sem nenhuma responsabilização pelas conseqüências das perigosas bobagens ditas anteriormente.
Mas o fato é que muito provavelmente em seu último ano de governo, a Presidenta Dilma ficará no mesmo rame-rame, aquela velha estória de tocar o cotidiano da política econômica, torcendo para que nenhum grande evento venha a prejudicar a opção adotada pelo cardápio convencional, um verdadeiro feijão com arroz sem sal e sem tempero. A equipe responsável pela condução da economia deverá ficar nessa onda cautelosa, administrando o varejo em ano eleitoral. Um pouco mais de juros aqui, um pouco menos de câmbio ali, um tiquinho de desoneração por acolá e vamos seguindo lentamente na mesmice que já remonta a mais de uma década.
Assim que não se espere por nada que venha a alterar de forma substantiva a essência de um modelo que serve única e exclusivamente para atender aos interesses do setor financeiro. A equipe treme de medo à menor possibilidade de alguma medida que possa contrariar os desejos dessa entidade sacrossanta e que não apresenta a sua verdadeira face, o famoso “mercado”. E assim vamos nos arrastando como antes. Um orçamento federal para 2014 que apresenta 42% de suas rubricas para despesas com juros e serviços da dívida, uma meta de superávit primário superior a 2% do PIB para cumprir essa destinação e a convicção equivocada de que a inflação só pode ser controlada pelo aumento da taxa SELIC.
Mais do mesmo: migalhas aos de baixo e porções generosas aos de cima
É importante ressaltar que permanecem os elementos que asseguram alta popularidade aos governos desde 2003 e que representam melhoria significativa nas condições materiais de vida da maioria da população. Refiro-me aqui às regras assumidas pela valorização do salário mínimo, cujo valor será reajustado em quase 7% a partir do início do ano. Além disso, seguem as políticas de ampliação da abrangência dos benefícios da previdência social para os valores mais baixos do regime do INSS, uma vez que continua valendo o famigerado fator previdenciário para quem recebe mais do que o piso. Finalmente, continuam operantes os importantes instrumentos de redução de desigualdades, a exemplo do Bolsa Família e do Brasil sem Miséria. Mas o montante de recursos dirigidos a essas ações de governo são ridiculamente inexpressivos, quando comparados aos valores que o Estado direciona ao favorecimento do capital e a seus empreendimentos.
O governo deverá dar continuidade aos processos de privatização e concessão dos projetos de infra-estrutura, como tem feito para os casos de rodovias, ferrovias, geração/transmissão de energia, portos, aeroportos e exploração de petróleo, entre tantos outros. Como a própria Presidenta havia afirmado à época das jornadas de junho, seu pacto prioritário é com a austeridade fiscal. Assim, que não sejam aguardadas mudanças na geração de superávit primário e no destino de recursos orçamentários para o cumprimento de juros e demais obrigações financeiras associados ao endividamento público. Esse compromisso assumido perante o mundo das finanças é intocável.
A urgência no tratamento da questão da taxa de câmbio valorizada está sendo solucionada sem que o governo tenha sujado suas mãos. Depois de vários anos de passividade da equipe econômica nesse domínio, o fenômeno da valorização de nossa moeda frente ao dólar norte-americano e demais moedas tem provocado a desindustrialização de economia brasileira e contribuído para o desgaste nas nossas contas externas. Ocorre que a recuperação da economia dos EUA tende a atrair parte dos recursos especulativos espalhados pelo mundo, inclusive aqui em nossas praias. Com a redução desse influxo de recursos externos para cá, a tendência é de uma desvalorização cambial. Uma medida urgentíssima, mas que tardou a chegar pelo receio do governo em mexer - de forma pró ativa, como era necessário fazer há muito tempo - em uma das pernas do tripé macroeconômico.
Privatização, concessão, subsídios, isenção, desoneração: tudo igual
Espera-se também a continuidade da política de subsídios e isenções concedidas às empresas e aos grandes conglomerados, com o intuito da retomada dos investimentos e a busca do crescimento da atividade econômica. As benesses seguirão sob a forma de créditos a juros subsidiados pelo BNDES e dos programas de recuperação de dívidas tributárias (tipo REFIS) que nada mais fazem senão estimular a prática da sonegação generalizada de impostos. O favorecimento das chamadas “multinacionais brasileiras” talvez tenha algum recuo face aos escândalos proporcionados pelas empresas comandadas por Eike “X” Batista, mas as mega-empresas construtoras continuarão a receber todo o tipo de favorecimento a que estão habituadas.
Por outro lado, deverão continuar algumas medidas de isenção de tributos sem nenhuma exigência de contrapartida das empresas e setores beneficiados. Afinal, trata-se de doação de recursos públicos para a atividade privada e o mínimo que se deveria esperar era a obrigação de metas quanto a geração de emprego, desempenho exportador, aumento da produtividade e medidas de sustentabilidade, entre outras. O caso da isenção de IPI para a indústria automobilística foi o típico exemplo de perda de oportunidade desse tipo de cláusula. O tempo passou e a sociedade perdeu a chance de avançar em medidas de alternativas de transporte coletivo, mobilidade urbana, alternativas de combustíveis, geração de emprego, internalização de peças e processos importados pelas multinacionais, etc.

A desoneração da folha de pagamentos inicia o ano em alta. Infelizmente, o governo foi capturado pelos interesses das empresas em mais esse quesito. Aquilo que teve início há mais de 3 anos como uma experiência piloto e localizada em alguns setores da economia começou a se generalizar. O aspecto inacreditável da questão é que o antigo pleito empresarial - a eliminação da contribuição previdenciária patronal correspondente a 20% da folha salarial - foi atendido justamente por um governo dirigido pelo Partido dos Trabalhadores! A substituição desse tributo por uma contribuição menor, que incide sobre o faturamento das empresas, está claramente subdimensionada e isso deverá provocar desequilíbrios no regime previdenciário mais à frente. Afinal, desde que a medida foi implementada, as receitas previdenciárias têm crescido menos do que deveriam para assegurar o cumprimento das despesas com os benefícios no futuro. Apesar disso, as autoridades têm afirmado não somente que a mudança permanecerá, como também que ela será universalizada e estendida para o conjunto dos setores.
Única possibilidade de mudança: mobilização popular
 Por tudo isso, é que o ano de 2014 deverá ser marcado pelo espírito do título do presente artigo: um “pouco” mais do “muito” mesmo. As eleições talvez atuem como elemento de contenção das maldades e medidas impopulares, mas o receio das reações dos interesses da banca fará com que a condução da política econômica não ouse por nenhuma trilha alternativa. Políticas de distribuição de renda efetiva, alterações nas regras tributárias para implantação do Imposto sobre Grandes Fortunas, criação de mecanismos de financiamento da saúde pública (o SUS ficou à míngua depois do fim da CPMF), utilização do depósito compulsório em lugar da elevação da taxa SELIC como instrumento de política monetária, enfim nenhuma dessas medidas tão importantes deve ser posta em prática.
E as perspectivas não devem ser muito otimistas nem mesmo para 2015 e seguintes. A se julgar pela fase de aquecimento dos debates as respeito das eleições presidenciais, as propostas dificilmente se afastarão muito do arco de viés conservador definido pela pauta das classes dominantes. Nesse caso, e como sempre, cabe ao movimento popular e os setores organizados saírem à luta para assegurar seus direitos e obter suas conquistas. Essa é a única maneira possível de recolocar o eixo progressista e desenvolvimentista no centro das discussões."
(*) Economista e militante por um mundo mais justo em termos sociais e econômicos.

 

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