Luciano Martins Costa, Observatório da Imprensa
Neste caso, o Estado de S.Paulo contribui para enriquecer as opiniões; Folha e Globo estimulam opiniões parciais e radicais."
"Pesquisadores em comunicação sabem que eventos extremos tendem a
produzir opiniões radicais, que podem se diluir em reflexões mais
equilibradas conforme evolui a oferta de informações. Portanto, é
essencial que as notícias sobre certos acontecimentos sejam enriquecidas
de nuances, para reduzir o risco de interpretações irracionais,
equivocadas, que podem causar danos irremediáveis.
Quando um sentimento comum de revolta percorre a massa, ela tende a se
transformar em horda, como alertam muitos estudiosos dos fenômenos
sociais. Episódios de desordem social têm sido produzidos pela
parcialidade das informações sobre acontecimentos capazes de provocar
indignação extremada num grande número de pessoas.
Neste começo do século 21, pode-se observar que o comportamento de
horda ocorre nas comunidades excluídas dos modernos meios de comunicação
digital, levando às ruas multidões enfurecidas, mas há também sinais de
barbárie nas comunidades privilegiadas pela tecnologia e a melhor
educação.
A violência coletiva pode germinar lentamente nos preconceitos e em
conflitos de origens remotas, eclodindo por qualquer fato isolado capaz
de evocar essas causas originais. Por exemplo, se o analista acompanhar
as postagens que se seguiram à divulgação, pela Folha de S. Paulo,
de imagens macabras feitas no presídio de Pedrinhas, no Maranhão, vai
notar que elas produziram opiniões radicais que acabam incorporando
preconceitos e idiossincrasias que estão presentes no cotidiano das
pessoas. Assim, seja uma rebelião num presídio, seja um acidente de
consequências graves, seja uma epidemia de gripe, o fato imediato pode
fazer eclodir o ovo de velhas feridas ideológicas.
Nas edições de sexta-feira (10/1), os jornais mergulham no episódio que
colocou o estado do Maranhão no centro das atenções nacionais. O
conjunto das informações, que mescla deliberadamente o massacre de
presos com a licitação do governo do estado para compras de rotina,
expõe a contradição entre o povo pobre e o estado rico, desmascara a
tradição coronelista e exibe a perversidade das desigualdades sociais.
Por outro lado, o mesmo evento provoca reações antidemocráticas e outras
manifestações de desprezo pela política de modo geral.
Raciocínio obscuro
A falta de reflexão sobre os acontecimentos que mobilizam as emoções,
ou a incapacidade de compreender as sutilezas da vida em comum, faz com
que imagens extremas como o vídeo mostrando a decapitação de seres
humanos provoquem o afloramento do pior que existe nas pessoas.
Por exemplo, um publicitário maduro e bem sucedido, de quem se espera
seja capaz de raciocinar com equilíbrio, postou nas redes sociais uma
campanha pelo assassinato de autoridades. Seu raciocínio obscuro compara
a situação do Brasil, a partir do episódio no presídio de Pedrinhas,
com o nazismo na Alemanha, e acrescenta que “se alguém tivesse dado um
tiro na cabeça de Hitler, talvez não tivesse havido a 2ª Guerra Mundial
com mais de 60 milhões de mortos”.
Esse convite ao magnicídio, como forma de solucionar descontentamentos
eventuais com a conjuntura política, pode se juntar ao raciocínio que
movimenta, por exemplo, integrantes das hordas de jovens que
recentemente se mobilizaram para promover depredações.
Paralelamente ao destempero do publicitário-celebridade, porém, pode-se
observar o crescimento de uma mentalidade perigosa para a democracia,
que estimula o voluntarismo salvacionista com um claro viés de
violência. Estamos tratando de uma espécie de barbárie “bem-educada”.
O que tem isso a ver com a imprensa?
Pode-se observar aspectos sutis dessa questão numa análise simples das
edições dos três principais jornais na sexta-feira (10). Enquanto o Globo e a Folha de S.Paulo dirigem suas armas exclusivamente para a governadora do Maranhão, Roseana Sarney, o Estado de S.Paulo distribui as responsabilidades, mostrando como a superlotação de presídios é um problema nacional, de múltiplas causas.
O Supremo Tribunal Federal cozinha há mais de cinco anos uma ação que
exige dos estados e da União obras no sistema penitenciário; o
Judiciário também é responsável pela superlotação, ao manter na cadeia
sentenciados que já cumpriram suas penas; o Ministério Público também é
omisso, ao não cumprir a rotina de visitas de correição aos presídios;
os governos federal e estaduais pecam pela deterioração e insuficiência
do sistema prisional.
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