A arrogância da ignorância: civilização ou barbárie?

"Espanta-me a quantidade de jornalistas, colunistas e pretensos "formadores de opinião" que se arvoram "autoridades" em todos os assuntos, os "conhecedores", que "se acham", os chamados "donos da razão"

Lula Miranda, Brasil 247

Tenho profunda admiração e predileção pelos humildes e pela humildade, em detrimento da soberba e dos soberbos [gentileza não confundir humildade com subserviência, pois são coisas distintas]. Por isso, espanta-me a quantidade de jornalistas, colunistas e pretensos "formadores de opinião" que se arvoram "autoridades" em todos os assuntos, os "conhecedores", que "se acham", os chamados "donos da razão". Parece até que eles têm de fato o poder, o dom de mudar e ditar os rumos da sociedade e do país. Será que têm mesmo?

Da minha parte, tenho a exata noção da minha relativa importância ou relevância (ou da minha desimportância e irrelevância) na condição de mero cronista que, aqui neste site, tem assegurado o importante espaço para tecer comentários, quase sempre superficiais, sobre assuntos diversos da vida e da sociedade, seus costumes e valores, e sobre a cena política brasileira. Em verdade sou mais um reles cronista, que conta, quase sempre, com a valorosa contribuição de alguns poucos leitores comentaristas, alguns até mais versados e qualificados, diga-se, sempre acrescentando ou complementando os temas e ideias abordados/propostos, com outros pontos de vista e informações. Aliás, confesso-lhe, esse é o "grande barato" de escrever para a chamada "blogosfera progressista".

Como faço desde há muito, por força de ofício, leio inúmeras matérias e artigos de jornalistas e colunistas, os mais diversos, bem como assisto e escuto muitos comentários na TV e no rádio, que dão a nítida impressão que o mundo começou a existir a partir da presença imperial, da magnanimidade ou da divina vontade daquele indivíduo. Tem gente que tem a pretensão de abalizar, autorizar ou condenar as coisas inerentes à dialética do mundo e seus antagonismos. Como, por exemplo, um protesto ou uma manifestação social (por definição, um manifesto público da sociedade, de seus agentes sociais). É incrível e, arrisco-me a dizer, até "patético". Mas alguns destes indivíduos realmente "se acham" e, aparentemente, perderam o senso das coisas.

Ora, uma manifestação social é fruto e consequência de diversos e múltiplos fatores, que vão desde o interesse mais comezinho e corporativista dos cidadãos (ou de determinado grupo de cidadãos), a expressão de suas legítimas ambições pessoais, de seus interesses partidários, suas carências e aspirações, de suas demandas e consciência de classe (ou da falta desta), suas idiossincrasias, seu niilismo etc. É legítimo, e até desejável numa democracia, que os cidadãos se manifestem. Sob a égide e o respeito à lei, por suposto. Logo, pode se inferir, os intitulados e afamados "Black Blocs" não se enquadram nessa legitimidade e legalidade aqui aludida.

Portanto, por princípio, um jornalista, um intelectual, seja ele um escritor ou um sociólogo, ou mesmo um mero blogueiro, por exemplo, não poderia/deveria, ao menos em tese, para o bem da sua credibilidade, julgar se determinada manifestação ou movimento social é "bom" ou "ruim"; tampouco condená-los ou demonizá-los. Cabe a esses profissionais citados o papel de observar, analisar, ponderar e tentar abarcar os diversos fatores, ambições e carências que conduziram àquela manifestação ou àquele conflito de interesses. E submetê-los à apreciação e julgamento do leitor. Repito: em tese.

Não caberia a rigor, quero crer, a um bom jornalista, ou mesmo a um autêntico intelectual, a priori, ser, de modo dogmático e voluntarista, a favor ou contra determinado governo – excetuando-se, claro, aqueles regimes ditatoriais que não respeitam as garantias básicas da cidadania e os direitos humanos, que devem ser peremptoriamente rechaçados. Deve/pode até ter as suas preferências partidárias e ideológicas, mas não deve/pode permitir que essa sua "predileção" cegue o seu juízo crítico e a sua capacidade de informar, da forma o mais isenta possível, ao seu leitor. Este fundamento [da isenção], por motivos óbvios, não se aplica, vale lembrar e ressalvar, aos textos de opinião e aos editoriais.

Como posso condenar protestos e manifestações pacíficas do MTST se, sabe-se, temos um déficit habitacional de cerca de 6 milhões de moradias? Portanto, é prudente que prestemos atenção ao que tem a nos dizer o MTST e suas lideranças.

E por que toco neste assunto/tema – podem estar se indagando os meus leitores mais atentos e críticos? Por que ultimamente vimos percebendo um recrudescimento da intolerância por parte dos agentes sociais [da população em geral]. E, acredito, uma das causas dessa "explosão", além da incompetência de nossos governantes em geral, claro, está nos reiterados artigos e reportagens publicados e exibidos nos últimos anos na grande imprensa, excessivamente contaminados pelo sensacionalismo, partidarismo e "espetacularização" da notícia [a única preocupação parecer ser vender jornal ou ganhar pontos valiosos no Ibope e assim veicular mais inserções e espaços publicitários]. E, também, decerto, como consequência dos comentários açodados e inconsequentes martelados por certos(as) âncoras boquirrotos (as) nos telejornais.

Ando muito de ônibus, trem, metrô e táxi e tenho escutado, ultimamente, muitos "arrogantes da ignorância", verdadeiros bonecos de ventríloquo desses deformadores de opinião, defenderem a pena de morte, linchamentos ou extermínio de supostos criminosos; discursos homofóbicos etc. Vejo alguns condenarem, com tamanha exaltação e indignação, a suposta "fazenda milionária" do filho do ex-presidente Lula [ na verdade, a foto da tal "fazenda" retrata a ESALQ-USP: Escola Superior de Agronomia Luiz de Queiroz]. Escuto outros tantos culparem a presidente Dilma pela falta de água, transporte coletivo e segurança pública [competências, como se sabe, dos Estados e municípios]. Um sujeito me disse certa feita que deveriam jogar os viciados em crack em alto-mar. Por aí prosseguem os barbarismos e barbaridades. O curioso é que as pessoas falam isso com a maior segurança, agressividade e destemor, como se estivessem falando a coisa mais certa e sensata deste mundo.

"Não vai ter Copa", diz um lema bastante difundido/alardeado nos dias que correm. Como assim "não vai ter Copa"?! Não vai ter Copa para quem? Quem definiu, assim, de modo tão definitivo, autoritário e emblemático que não vai haver Copa? Como assim?! O país assumiu um sério compromisso em âmbito internacional, investiu tempo, trabalho e recursos para esse fim. De repente, alguns poucos se arvoram a dizer que "Não vai ter Copa". Ainda mais aqui no chamado "país do futebol"?! Percebe a prepotência, arrogância e quero crer, infantilidade/imaturidade dessa frase de efeito? Será que algum dia alguém dirá "Não vai ter Carnaval!"?

Outra coisa, bastante distinta, de se dizer ao léu, de modo gratuito e inconsistente, que não vai ter Copa é protestar, de modo pacífico, contra os gastos dispendidos para a realização deste evento. E assim questionar, com maturidade e argumentos sólidos, a prioridade dos gastos incorridos.

Outro exemplo de "arrogância da ignorância" são esses episódios recentes de supostos "sindicalistas" que, à margem de tudo que se aprendeu em décadas de história do trabalhismo e de prática sindical no país, num frontal desrespeito à decisão de assembleias soberanas, declaram e impõem greves, ao arrepio de acordos "apalavrados", da vontade dos trabalhadores, da chamada base sindical (os representados e associados) e dos dirigentes. Em face dessas ações sub-reptícias, que afrontam a ética e a lei, essas práticas já estão sendo chamados por alguns de "banditismo sindical" ou "golpismo sindical". Precisamos estudar/analisar melhor o alcance e consequências desses fenômenos recentes. Ao que tudo indica, "gêmeo siamês" daquela outra recente pretensão de se fazer política sem partidos políticos. Parece que alguns poucos resolveram também fazer sindicalismo sem sindicato.

Sei não... Mas desconfio que nós educadores, religiosos, intelectuais, artistas, escritores e jornalistas estamos nos omitindo do nosso papel de informar e educar, de um modo minimamente digno e isento, os cidadãos brasileiros.

Sei não... Mas resta-me a impressão de que não estamos edificando uma nação fundamentada no respeito ao dissenso e às essenciais e inevitáveis diferenças entre os indivíduos. Tenho a impressão que estamos fomentando a formação de bárbaros, vândalos e ignorantes.

Parece-me que não era exatamente esse tipo de sociedade, nada edificante, que queríamos construir.

Parece-me que estamos trilhando, a passos céleres, os descaminhos que nos conduzirão à barbárie.

Não lhe parece?

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