Copa do Mundo do Brasil: já há um legado a defender; e já há quem o ameace

"O maior legado dessa Copa, é imaterial: o resgate da imagem internacional do país, tão vilipendiada pela nossa direita midiática

Carlos Odas, Brasil 247

Da revista Veja costumo ler somente a capa dos exemplares que encalham nas gôndolas dos supermercados; a dessa semana, pelo que me lembro, cede ao irresistível apelo que vem marcando a Copa do Mundo do Brasil e exalta a alegria geral mas, para não perder a viagem, ameaça o povo brasileiro com a sentença: curta a festa, porque não haverá legado de longo prazo. Claro, assim que a Copa do Mundo acabar e o último torcedor estrangeiro for embora, nossos aeroportos voltarão a ser o que eram; as obras de mobilidade urbana se desmancharão no ar como hologramas, e todo o volume de dinheiro deixado por aqui pelos turistas se transformará em moedas de chocolate ou dinheiro de mentirinha, daqueles de banco imobiliário. Para a Veja, somos trouxas de acreditar mais no que vemos do que no que ela diz. Afinal, ela avisou que, no ritmo em que iam as obras para a Copa do Mundo, os estádios ficariam prontos em... 2038! E eu fico imaginando – meu Deus! – onde a Veja acha que o Chile despachou a Espanha e a Costa Rica derrotou a poderosa Itália, senão em estádios modernos, novos em folha e que... ficaram prontos a tempo?! Aliás, bem em cima da hora, como nas Olimpíadas de Londres ou na Copa do Mundo da África do Sul.

É inacreditável, mas a Copa do Mundo está servindo justamente para desfazer o trabalho duro que Veja e a mal chamada “grande imprensa” tiveram nesses anos todos para cravar a imagem internacional do Brasil como uma terra arrasada pela corrupção e incompetência – que teriam sido inventadas em 2003, claro! Essa turma não viu nada de bom no Brasil esses anos todos; seu entusiasmo com as perspectivas do país é inversamente proporcional ao tempo em que a taxa de desemprego por aqui batia na casa dos 20%, e que a renda do trabalhador perdia seguidamente para uma inflação que se media em dois dígitos. Aquilo é que era um tempo glorioso, segundo eles. E, para eles, devia ser mesmo. Patrimônio público vendido na bacia das almas, migalhas em forma de “vale-isso” e “vale-aquilo” distribuídas de acordo com os interesses políticos de caudilhos paroquiais, ministro de estado que tirava o sapato para ser revistado ao entrar nos EUA, o país insolvente por três vezes em sete anos. Naquele momento histórico de triste lembrança, O Brasil candidatou-se a sediar a Copa do Mundo de 2006 – episódio resgatado pelo incansável Eduardo Guimarães em seu Blog da Cidadania. Fez um papelão. De fato, aquele país sem importância geopolítica alguma não tinha condições de se propor a sediar um evento como esse. Mas aquele governo tentou. Alguém tem dúvidas de que se a sede do Brasil tivesse sido aprovada ainda sob um governo tucano, essa mídia não daria um jeito de atribuir o sucesso da Copa a FHC? Eu não. A lógica da mídia-partido-de-oposição-ao-PT é a seguinte: todos os acertos de Lula e Dilma são méritos de FHC; todos os erros de FHC são culpa do “frango da Malásia” – crises externas para as quais não estávamos preparados.

Eu, como sou latino, pobre e piegas – tudo de que a Veja se envergonharia de ser –, tenho me comovido muito nessa Copa do Mundo – com a recuperação heroica de Luiz Soares, do Uruguai; com a raça da seleção chilena; com a épica classificação da Costa Rica; com a dignidade das seleções africanas, com jogadores de seleções modestas e sem chance na disputa pela taça mas que agradecem pela oportunidade de estar em um mundial. Gente sendo o que pode ser sempre me comove. Mas, sobretudo, tenho me comovido com o povo brasileiro. O povo que rechaçou inequivocamente as ofensas a Dilma, que não se confunde com gente mal criada e mal intencionada. Não somos preguiçosos, nem corruptos, nem incompetentes; mas temos uma das elites mais antinacionais do planeta. Os meios de comunicação tradicionais pertencem a essa elite e servem aos interesses dela, que não são os do Brasil.
O maior legado dessa Copa, em minha opinião, é imaterial: o resgate da imagem internacional do país, tão vilipendiada pela nossa direita midiática, e o encontro de seu povo com a própria – e boa – imagem. Não me admira que Veja já o ameace; a parcela venal da imprensa brasileira só não está falando mal do país durante a Copa porque está tendo de dividir espaço com a cobertura internacional. Quando os correspondentes forem embora, aí sim, começa a tarefa de desconstruir o maior legado do evento – a nova imagem do Brasil no mundo. Tudo farão para tirar o sorriso da boca e o orgulho do peito dos brasileiros; para que tenham o sucesso eleitoral que almejam precisam semear desesperança e ódio. Tentarão transformar o legado da Copa, o material e o imaterial, em fatos negativos. Dirão que a Copa não resolveu os problemas sociais que persistem, como se dela fosse esse o papel. Esquecerão que o caos que previram não veio e preverão as mesmas catástrofes outra vez.

É uma pena ter uma mídia assim porque ela interdita o debate real sobre nossas possibilidades e perspectivas; há, é certo, correções de rumo a fazer e mudanças que devemos ter a coragem de propor a nós mesmos. Mas é fundamental também um debate honesto sobre o quanto já avançamos. É preciso discutir o modelo de desenvolvimento do país e os valores que vão orientar os processos futuros. É preciso, sobretudo, discutir sobre quais valores queremos assentar a sociedade que pretendemos ser. Mas como fazer isso se os meios de comunicação tem uma pauta própria, inegociável, e vinculada aos interesses econômicos de grandes corporações e que nada tem a ver com mais igualdade, com mais direitos, e com mais bem estar social? Como fazer se esses meios, de propriedade da elite nacional, detestam com fervor o povo brasileiro?

Convencido do acerto que foi fazermos a Copa do Mundo no Brasil nesse momento e do sucesso estrondoso que temos demonstrado na organização do mundial, vou aceitar meio conselho da Veja e curtir a festa; mas depois, como creio devem fazer todos os brasileiros decentes, pretendo defender o legado que ela nos deixa: o reencontro com a ideia de sermos um povo, de sermos capazes e de merecermos o respeito do mundo."

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