Oração para o Brasil ganhar a Copa do Mundo


Revista Bula

"Eu me rendo: é inviável não me deixar contagiar pelo clima virótico da Copa do Mundo de Futebol. Com tanta violência singrando e sangrando a gente por aqui, o receio que eu tenho em participar desse tipo de corrente-pra-frente é que algum meliante a confunda com um cordão de ouro e nos assalte. Entretanto, eu sofri um estalo numa certa madrugada, quando fui abastecer o meu carro com pneus carecas e IPVA vencido num posto de gasolina batizada, e me deparei com uma cena digna de um roteiro tarantiniano, ao estilo “Um Drink no Inferno”.

Duas balzaquianas seminuas — dessas que não participam, nem fodendo, de passeatas de protesto à luz do dia — dançavam um funk sifilítico na carroceria de uma picape com placa clonada e chassi adulterado, trajando apenas calcinhas verde-amarelas que só não estampavam a bandeira do Brasil por pura falta de espaço no lábaro estrelado que ostentavam. Sou patriota, sim, até embaixo do lençol: notei que ali, naquele pedacinho de flâmula a sofrer entre nádegas siliconadas, caberia, na melhor das hipóteses, uma estrela solitária, e ela estava ali piscando para mim.

Como já era de se esperar, as verga-tesas imagens de empolgação caíram no gosto dos homens sempre afeitos às safadezas que abasteciam os automóveis com o caríssimo petróleo de Pasadena (EUA) e as suas próprias panças com a cerveja barata de Brotinhas (PQP), os quais sacaram os seus smartphones contrabandeados, clicaram e depois publicaram as fotos nas redes sociais.

Ao ler os tabloides no dia seguinte, eu soube que o inusitado esquete afrodisíaco fora, na verdade, um ato premeditado, uma apelativa estratégia de marketing entabulada por um renomado, porém, decadente prostíbulo da capital, um histórico porto seguro para a resenha sacana da nata social. Por mera curiosidade (eu juro, querida!), verifiquei o site do covil na internet e havia nele uma convocação de sentido dúbio: “Assista aos jogos da seleção canarinho na nossa gaiola. Aproveite a promoção da Copa para entrar com bola e tudo nessa jogada”.

Inflamada com o fato ocorrido no posto de combustíveis, a Polícia Civil fez uma trégua na sua greve por melhores condições de trabalho (e melhores salários para poderem descansar do trabalho), para identificar e enquadrar as exibicionistas depiladas. De acordo com o delegado irresponsável que cuida do caso, as marqueteiras de cavas fundas e cultura rasa responderão em libertinagem pelos crimes do Padre Amaro: ajoelhar e não rezar; perturbar a ordem natural das coisas; fazer apologia ao orgasmo.

A euforia, portanto, vulgares senhores, está estampada nas ruas e em todos os lugares: nos mantos sagrados puídos das copas anteriores utilizados pelos moradores de rua que dormitam sob viadutos inacabados superfaturados; nos sorrisos desdentados dos catadores de lixo que driblam a fome e os urubus; na empolgação caquética da molecada alcoólatra que lava para-brisas nos semáforos das trevas cotidianas; nos vômitos biliosos e nos catarros verde-amarelos dos pacientes esquecidos nos corredores dos hospitais públicos; nas balas perdidas e nas rajadas de metralhadores que colorem o céu de anil assim que a bola rola; nas olas das torcidas, nas rolas dos homicidas, nos arrastões dos pivetes que barbarizam no paradisíaco litoral brasileiro; na expressão de contentamento dos contumazes esporradores canarinhos dos metrôs, que esfregam suas bandeirinhas de escanteio na meia cancha das passageiras que voltam do trabalho.

Enfim, não dá para negar: além de samba, cerveja, sexo, remédio caseiro, Deus e feriado, o brasileiro ama futebol. Baseado nas evidências e na intoxicante fumaça dos baseados de mais uma Marcha da Maconha que passou pela porta da minha casa, acabei esquecendo a janela aberta e fiquei meio desanuviado. Portanto, darei o meu braço a torcer, mesmo que seja à tropa de choque da Polícia Militar. Já que não posso abraçar a Patrícia Poeta, vou abraçar a causa da Copa do Mundo em nosso país.

Rogo a vocês, pacienciosos leitores, que coloquem agora mesmo os seus copos de cerveja barata sobre a mesa, ajoelhem-se sobre duas notas de cem reais, fechem bem os olhinhos, protejam as suas bolsas e carteiras travando-as entre as coxas (não custa nada se precaverem, afinal, a FIFA está chegando), estiquem os dois dedinhos indicadores para os céus, no rumo do Criador, como fez o centroavante Frederico, ao cavar um penalti mandraque contra os croatas.

Agora, vai: vamos à busca do hexa, cambada! Rezem comigo, seis vezes consecutivas, miseráveis ufanistas, ou a taça não virá: “Pai nosso, brasileiro de Chapadão do céu, venha a nós e traga sal, picanha e pimenta-do-reino. Seja feita a vossa vontade, e não a da FIFA, assim no gramado, como nos bastidores. O gol nosso de cada jogo nos dai hoje. Perdoai as nossas gracinhas, assim como nós perdoamos as de quem nos tem desgraçado ao longo da história. E não nos deixeis cair na tentação de aceitarmos comissão. Ah, néim”.

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