Fabrício Longo, d’Os Entendidos
"É a grande fantasia gay! A vingança
definitiva contra toda forma de opressão, com um toque de ironia e de
orgasmo como bônus. O “santo graal” da conquista, com a adrenalina do
perigo. “Converter” um hétero. Subjugar o macho. Conquistar quem é
pintado como superior. Sim, é a última das fantasias… O difícil é
definir quem é a caça e quem é o caçador!
“Como pegar um hétero” é um dos termos
de busca mais recorrentes nas estatísticas do site e não pode ser apenas
acaso. Sem dúvida, há uma parcela significativa do público gay que
deseja informações sobre o tema, seja para resolver uma questão
sentimental, seja por puro fetiche. E é curioso porque mostra o quanto
estamos condicionados a enxergar essas identidades – Hétero e Homo –
como “caixinhas”, muito difíceis de romper.
Ora, a primeira quebra se dá justamente
por isso, já que tudo que é proibido é muito mais gostoso. Não importa
se conseguiremos ou não realizá-la, mas o fato de existir uma regra que
nos proíba de algo é o suficiente para fazer com que a quebremos. É por
isso que definir “quem deseja quem” é mais difícil do que parece, já que
o tabu acaba alimentando as fantasias de ambos os lados.
A construção refratária da masculinidade
é essencialista e suas regras artificiais são vendidas como leis
inquebráveis, resultando nos “causos” constrangedores de confusão quando
os indivíduos não correspondem às expectativas. Nossa “moral” grita
para que homens e mulheres exerçam papéis sociais determinados, da mesma
forma para os homossexuais e para os heterossexuais. Tudo é limitado,
sem variação. Porém, a vida real não é bem assim, e embora o status conferido pela masculinidade se perca quando algum desejo “estranho” surge, isso é mais comum do que pensamos.
Nosso sistema só privilegia “o homem”,
“o macho”, fazendo com que a masculinidade seja tratada como atraente
por si só. Um heterossexual é considerado superior a um homossexual
porque mantém sua macheza, sem se nivelar por baixo. Vemos a
reprodução disso na excessiva valorização de ativos no “mercado gay”,
além de ridículas expressões como “manow” e “koé”, que denotariam um
falar mais masculino. É como se um “Tiririca hétero” fosse mais gostoso
do que um “Tom Cruise bicha”, o que explica bem a razão pela qual o
senso comum insiste no mito do “homossexual predador”. É como se todos
os gays vivessem à espreita, esperando o momento certo para atacar os
pobres homens incautos…
Entretanto, nossa “fauna” inclui g0ys,
HSH (Homens que fazem sexo com homens), e a galera do “faço tudo, menos
beijar” ou do “não sou gay, só como”. Isso sem falar nos bissexuais que
estariam em uma posição intermediária entre gay e hétero, pelo menos no
que diz respeito ao que estou colocando aqui. Se o “ser hétero” é tão
seguro de si, tão inviolável, como a masculinidade explica e permite
essas manifestações de desejo?
“Como pegar hétero” pode ser uma
fantasia recorrente no imaginário gay. Entretanto, a falsa sensação de
poder de todo “homem macho masculino” cria a ilusão de que nada é mais
fácil para ele do que “pegar um viado”. Talvez seja esse o caso, já que
os homens ainda são condicionados a tratar o sexo na base do “quanto
mais, melhor”. No entanto, o problemático é essa relação de poder que
hierarquiza comportamentos.
Podemos “pegar” qualquer pessoa. Isso
não define nossa personalidade, por mais que insistam que sim. Ser “gay”
é muito mais do que simplesmente “gostar de homem”, porque envolve uma
experiência social bastante específica. Tem a ver com essa identidade
construída. Ser “hétero” também, então não serão episódios sexuais ou
desejos reprimidos que transformarão alguém em algo novo. Seres humanos
não são tão simples.
O que é lamentável é que esses desejos
sejam calcados na opressão e na inferiorização. Desejar um homem porque
ele é “masculino”, ou porque “parece difícil”, ou porque é comprometido,
ou porque “pega mulher” é perfeitamente legítimo. Ninguém controla seus
desejos e cada um deve saber como julgar o que pode ser ou não
realizado. O que não pode é alimentar esse tesão como uma forma de
servidão, como uma forma de “idolatria” de um ser superior.
“Pegar um hétero” não é nenhuma
conquista. Se ninguém ficar sabendo, não é nem difícil. Ele é apenas
outro homem, que não deixa de ser hétero por causa de uma experiência
qualquer. Somos iguais, não importa o que diz a sociedade. Tratá-lo como
um “troféu” só reforça nosso complexo de inferioridade.
Permita-se. Seja livre. Seja fabuloso."
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