Em tempos de Templo

"Flutuando entre a pregação religiosa e a prática empresarial, Macedo inaugurou seu templo com um verdadeiro desfile de políticos. 

Jacques Gruman, Carta Maior

Sempre admirei um aspecto do movimento hassídico (corrente judaica religiosa fundada na Europa Oriental há quase 3 séculos). Abandonando a severidade das regras dos rituais tradicionais, os hassidim passaram a usar a dança e a música para passar seus ensinamentos, para se elevar. A alegria invadia um mundo soturno demais para o meu gosto. Por outro lado, sacudir o esqueleto não exigia alta escolaridade, nem conhecimentos profundos da literatura religiosa. Os analfabetos saíram da marginalidade, foram acolhidos nos templos. Claro que os hassidim conservaram, e conservam, aspectos imutáveis da ortodoxia. A segregação das mulheres, mesmo nas danças, é um dos exemplos mais gritantes. No entanto, para um ateu incurável como eu, essa tática de popularização do sagrado através do movimento e do som não deixa de causar admiração. Dispensavam-se as catedrais góticas, os templos suntuosos, as aberrações pecuniárias, para se entrar numa comunhão verdadeiramente popular. É interessante perceber que a música hassídica permanece como importante fonte de inspiração para compositores judeus modernos, sendo raiz fundamental para o riquíssimo gênero klezmer.
O que diria um daqueles judeuzinhos das aldeias profundas do leste europeu se visse o Templo de Salomão, que acaba de ser inaugurado, em São Paulo, pela Igreja Universal do Reino de Deus? Certamente estranharia, de cara, a ostentação e, talvez mais ainda, o que o sociólogo Ricardo Bitun chamou de “tendência judaizante” da Universal. Não compreenderia muito bem aquela geografia Disney, que coloca uma loja de produtos religiosos na entrada do templo. O monumento, com uma altura equivalente a dezoito andares e capaz de abrigar até 10 mil pessoas sentadas, tem claras intenções de proselitismo, e essa história o hassid conhece muito bem – e não gosta. Uma Menorá gigante, importante símbolo do judaísmo, adorna um dos jardins, quase ao lado de uma imitação do Domo da Rocha, edifício sagrado do islã. O bispo e empresário Edir Macedo cultivou um modelito rabínico na noite de gala. Barba comprida, vestido com um talit (espécie de manto litúrgico no judaísmo) e solidéu na cabeça, simulou o gestual que se vê em sinagogas. Com que objetivo, não se sabe. Talvez a solução do mistério esteja guardada na “Arca da Aliança” fake que, com pompa e circunstância, foi trazida na cerimônia de inauguração. A cena faz lembrar uma passagem do primeiro Indiana Jones: Os caçadores da arca perdida. Este é um departamento mais chegado ao Menino do que ao nosso judeuzinho atônito. Lá pelas tantas, os nazistas vilões tratam de abrir a verdadeira Arca da Aliança. Para isso, um arqueólogo quinta-coluna se veste como um rabino, balbucia uma prece e ... Bem, acaba castigado exemplarmente. É uma cena inesquecível. Será que a vida, de alguma forma, beberá nesta fonte ficcional?

Chamou a atenção o desfile de políticos templo adentro. De presidente da República a governadores, passando pelo prefeito de São Paulo e ministros de Estado, todos posaram ao lado de Edir Macedo. Quando se espera uma prudente distância entre Estado e religião, estes personagens dão uma demonstração pública de desapreço a essa regra republicana. Uma pedagogia especialmente desastrosa se levada em conta a crônica despolitização do povão. Além disso, como dizia minha avó, cuidado com as más companhias. Ou, nas palavras do Barão de Itararé: Dize-me com quem andas e eu direi se vou contigo. Quem é o fundador e principal líder da Universal, dono da TV Record?

Edir Macedo tem um prontuário alentado. Escreveu o livro Orixás, Caboclos e Guias: Deuses ou Demônios?, no qual ofende e desqualifica os praticantes de cultos afro-brasileiros. Em determinados trechos do livro, classifica a Umbanda, a Quimbanda e o Candomblé como seitas demoníacas e responsáveis pelo subdesenvolvimento do país (!). Flutuando entre a pregação religiosa e a prática empresarial, Macedo é acusado por importação fraudulenta, formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e evasão de divisas. Usou sua influência para inaugurar o Templo de Salomão sem autorização definitiva do poder público. É o tradicional jeitinho brasileiro, sempre generoso com os de cima. Já beneficiada com as isenções fiscais de que gozam as igrejas, a Universal importou de Israel as pedras do Templo sem pagar qualquer imposto.

Desconfio que a leitura dos dados do último Censo do IBGE ajude a explicar os salamaleques dos políticos na inauguração do Templo. De acordo com o último Censo, de 2010, continua crescendo o número de evangélicos no Brasil, acompanhando a queda do contingente católico. Entre 1980 e 2010, aumentou em quase 240% a população que se declara evangélica. Dentre os evangélicos, a influência da Universal caiu no período entre 2000 e 2010, pressionada por igrejas dissidentes e outras que imitam seus métodos. Talvez por isso esteja investindo agressivamente em megaempreendimentos. Quer recuperar mercado. Conhecendo o potencial eleitoral do segmento evangélico, políticos se penduram em todas as oportunidades que surgem para demonstrar “simpatia” pela causa. Pobre da sociedade, prisioneira de agendas conservadoras e da covardia para enfrentar questões polêmicas que desagradam aos religiosos. Um exemplo da invasão nefasta do espaço público por práticas religiosas privadas aconteceu no Estado do Rio. Por pressão da bancada evangélica, uma lei que proibia a discriminação de gays em ambientes públicos foi derrubada na Justiça, em 2012.

Gostaria de levar tudo isso na esportiva. Na linha do que escreveu o José Simão: o templo do Edirzimo Macedo parece mesmo a caixa-forte do Tio Patinhas. Ou do que disse o chargista Genildo: a Dilma foi na inauguração do Templo procurar um especialista em economia. E o Alckmin foi pedir p’ra chover. Talvez seja melhor mesmo fechar os olhos, abrir um leve sorriso, rodopiar como um hassid. Esquecer, pelo breve tempo de um nigun, a ciranda de enganos que hipnotiza, paralisa, deprime."
 

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