O beijo de Theodoro Cochrane e o moralismo brasileiro


Jenifer Severo, DCM

Na última segunda-feira, 16, um dos assuntos mais veiculados nos principais sites de fofoca foi o beijo gay protagonizado pelo ator e filho da jornalista e apresentadora Marilia Gabriela, Theodoro Cochrane, no carnaval de salvador. A notícia repercutiu de forma um tanto curiosa na mídia, sendo alvo de diversos comentários homofóbicos por parte dos internautas.

Em apoio ao ator, o deputado federal Jean Wyllys (Psol-RJ), que é assumidamente homossexual, publicou uma foto em seu facebook, na qual aparecia beijando um amigo maquiador num camarote na Sapucaí.
Na sua página, Jean declarou:

“Teodoro Cochrane, beije mesmo; beije muito! Todo e qualquer beijo é gay quando é motivado por alegria e desejo. Não há “pecado” algum em beijar outro homem; não há vergonha alguma. O único pecado (e vergonha!) é a estupidez de quem não admite a expressão de outras formas de amar, mesmo disfarçando seu preconceito em ‘notícia’. Toda a minha solidariedade a você! Beijei em sua homenagem.”

Não seria nenhuma novidade notícias de “flagras” de artistas beijando outros famosos ou anônimos e aproveitando o carnaval como qualquer pessoa comum. Os quatro dias de folia servem de palco para toda a sorte de notícias vazias e irrelevantes, recheadas de fotos de mulheres seminuas competindo pelo posto de rainha com o menor tapa-sexo da avenida e da pegação no meio artístico em camarotes e trios elétricos. Carnaval é a festa da liberdade, e a mídia sabe muito bem disso e aproveita para explorar à exaustão a intimidade dos famosos, que, nessa época, passa a não ser tão íntima assim.

A foto do beijo de Theodoro com outro rapaz não seria algo tão significativo se representasse algo julgado como corriqueiro e confortável aos olhos dos telespectadores. Se a imagem veiculada envolvesse o galã da novela do horário nobre e uma desconhecida, não impressionaria, tampouco carregaria esse sutil preconceito. Além disso, o fato de a internet ainda ser considerada por muitos desavisados como uma terra sem lei, também acaba encorajando os usuários da rede a expor de maneira desrespeitosa e agressiva suas “opiniões”, contribuindo para a corrente de intolerância que assola o mundo virtual e toma forma no mundo real através de agressões físicas, muitas vezes com desfechos fatais.

A mesmice desses ‘furos’ da imprensa brasileira já não mais comove o grande público, e o fato de a fulana modelo estar tomando água de coco numa praia do Rio de Janeiro é monótono. O povo é curioso e voyeur, porém não há grande alvoroço com notícias desse nível. Mas um beijo gay estampando as principais páginas de notícias do Brasil ainda gera desconforto e nunca cai na monotonia.

A família brasileira ainda não está preparada para lidar com a felicidade homoafetiva, e aplaude de pé os discursos moralistas dos porta-vozes do cidadão de bem que, lamentavelmente, representam o povo em diversos âmbitos da política.

Infelizmente, a homofobia ainda não é crime. O projeto de Lei 122, conhecido como PL da Homofobia, foi arquivado no Senado em janeiro deste ano, após passar oito anos parado. Infelizmente ainda não é possível criminalizar quem propaga discursos de ódio nas redes sociais, na rua, em shows, bares e demais locais de convivência social. Entretanto, podemos esperar uma possível aprovação do “dia do orgulho heterossexual”, projeto proposto pelo presidente do congresso, Eduardo Cunha, inimigo declarado da causa LGBT.

De certa forma, saber que existem políticos sérios defensores do amor livre como o Jean me proporciona uma pequena ilusão de conforto. Não há nada mais cruel que a repreensão e o repúdio à liberdade individual do ser humano, unicamente por contrariar o modelo tradicional de família e a vontade de Deus – que fez Adão e Eva, e não Adão e Ivo.

Enquanto isso, torço com todas as minhas forças para que possamos nos deparar mais e mais com beijos homossexuais em todos os meios de comunicação, desde a revista barata da tabacaria da esquina até a novela das oito. Até que, um dia, caia na monotonia e seja tão banal quanto a notícia “bombástica” do “flagra” de uma atriz global atravessando a rua no Leblon."

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