As maiores declarações de amor da literatura universal


Carlos Willian Leite, Revista Bula

"Pedimos aos leitores e colaboradores da Revista Bula que apontassem, entre passagens literárias memoráveis, quais eram as maiores declarações de amor da história da literatura. Na lista, aparecem personagens dos mais díspares perfis, em comum entre eles, apenas a paixão flamejante. De Humbert Humbert, personagem de Vladimir Nabokov, descrevendo Dolores Haze, em “Lolita”— o mais citado —, até a metáfora da pedra de Bolonha, do romance “Os Sofrimentos do Jovem Werther”, de Goethe, que imortaliza não apenas o amor de Werther por Carlota, mas todos os grandes amores da literatura universal. Abaixo, a lista baseada no número de citações e uma pequena amostra do amor incendiário dos personagens selecionados.

Carta a D.
André Gorz
(De André Gorz para Dorine Keir)

Você está para fazer oitenta e dois anos. Encolheu seis centímetros, não pesa mais do que quarenta e cinco quilos e continua bela, graciosa e desejável. Já faz cinquenta e oito anos que vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca. De novo, carrego no fundo do meu peito um vazio devorador que somente o calor do seu corpo contra o meu é capaz de preencher. Eu só preciso lhe dizer de novo essas coisas simples antes de abordar questões que, não faz muito tempo, têm me atormentado. Por que você está tão pouco presente no que escrevi, se a nossa união é o que existe de mais importante na minha vida?

Primo Basílio
Eça de Queiroz
(De Basílio para Luísa)

Que outros desejem a fortuna, a glória, as honras, eu desejo-te a ti! Só a ti, minha pomba, porque tu és o único laço que me prende à vida, e se amanhã perdesse o teu amor, juro-te que punha um termo, com uma boa bala, a esta existência inútil. E Luísa tinha suspirado, tinha beijado o papel devotamente! Era a primeira vez que lhe escreviam aquelas sentimentalidades, e o seu orgulho dilatava-se ao calor amoroso que saía delas, como um corpo ressequido que se estira num banho tépido; sentia um acréscimo de estima por si mesma, e parecia-lhe que entrava enfim numa existência superiormente interessante.

Dom Quixote
Miguel de Cervantes
(De Dom Quixote para Dulcinéia)

Ó Dulcinéia del Toboso, dia da minha noite, glória da minha pena, norte dos meus caminhos, estrela da minha ventura (assim o céu te depare favorável em tudo que lhe pedires!), considera, te peço, o lugar e o estado a que a tua ausência me conduziu, e correspondas propícia ao que deves à minha fé! Ó solitárias árvores, que de hoje em diante ficareis acompanhando a minha solidão, dai mostras com o movimento das vossas ramarias de que vos não anoja a minha presença! Ó tu, escudeiro meu, agradável companheiro em meus sucessos prósperos e adversos, toma bem na memória o que vou fazer à tua vista, para que pontualmente o repitas à causadora única de tudo isto!

Romeu e Julieta
William Shakespeare
(De Julieta para Romeu)

Meu inimigo é apenas o teu nome. Continuarias sendo o que és, se acaso Montecchio tu não fosses. Que é Montecchio? Não será mão, nem pé, nem braço ou rosto, nem parte alguma que pertença ao corpo. Sê outro nome. Que há num simples nome? O que chamamos rosa, sob uma outra designação teria igual perfume. Assim Romeu, se não tivesse o nome de Romeu, conservara a tão preciosa perfeição que dele é sem esse título. Romeu, risca teu nome, e, em troca dele, que não é parte alguma de ti mesmo, fica comigo inteira.

Lolita
Vladimir Nabokov
(Humbert sobre Dolores Haze)

Lolita, luz de minha vida, labareda em minha carne. Minha alma, minha lama. Lo-li-ta: a ponta da língua descendo em três saltos pelo céu da boca para tropeçar de leve, no terceiro, contra os dentes. Lo. Li. Ta. Pela manhã ela era Lô, não mais que Lô, com seu metro e quarenta e sete de altura e calçando uma única meia soquete. Era Lola ao vestir os jeans desbotados. Era Dolly na escola. Era Dolores sobre a linha pontilhada. Mas em meus braços sempre foi Lolita. Será que teve uma precursora? Sim, de fato teve. Na verdade, talvez jamais teria existido uma Lolita se, em certo verão, eu não houvesse amado uma menina primordial.

Os Sofrimentos do Jovem Werther
Johann Wolfgang von Goethe
(Werther sobre Carlota)

Hoje não pude ir ver Carlota, uma visita inesperada me segurou em casa. Que havia a fazer? Mandei o meu criado ao encontro dela, só para ter junto de mim alguém que tivesse estado em sua presença. Com que impaciência o esperei, com que alegria tornei a vê-lo! Não tivesse vergonha e teria me atirado ao seu pescoço e coberto seu rosto de beijos. Falam que a pedra de Bolonha, quando exposta ao sol, absorve seus raios e reluz por algum tempo durante a noite. Dava-se o mesmo comigo e aquele rapaz. A lembrança de que os olhos de Carlota haviam pousado em seu rosto, em suas faces, nos botões de sua casaca e na gola de seu sobretudo, tornava-o tão querido, tão sagrado para mim!

A Trégua
Mario Benedetti
(Martín Santomé sobre Avellaneda)

Ah, os velhos tempos em que Avellaneda era só um sobrenome, o sobrenome da nova auxiliar (faz apenas cinco meses que anotei: A mocinha não parece ter muita vontade de trabalhar, mas pelo menos compreende o que a gente explica), a etiqueta para identificar aquela pessoinha de testa ampla e boca grande que me olhava com enorme respeito. Ali estava ela agora, diante de mim, envolta em sua manta. Não me lembro de como era ela quando me parecia insignificante, inibida, nada além de simpática. Só me lembro de como é agora: uma deliciosa mulherzinha que me atrai, que me alegra absurdamente o coração, que me conquista.

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