A “gari gata” ficaria famosa se fosse negra?

Rita Mattos
Marcos Sacramento, DCM

"A carioca Rita Mattos atua como gari há pouco mais de ano. Dos problemas inerentes à profissão, o único do qual ela não pode reclamar é a invisibilidade. 

Aos 24 anos, a moça se tornou aspirante a celebridade das redes sociais.

O motivo da fama repentina foi o seu biotipo. Branca, cabelos lisos e corpo de assistente de palco, seu físico destoa do tipo predominante entre a maioria dos trabalhadores da limpeza. Com mais de 18 mil seguidores no Facebook e 8 mil no Instagram, foi assunto de matéria no Extra e já tem até assessor de imprensa. Não vai demorar muito para ela aparecer no Esquenta.

A fama repentina seria a mesma se ela fosse uma negra de cabelos naturalmente crespos? Não dá para saber ao certo, só especular.

Um fato recente dá uma pista de que a resposta seria “não”: de 60 candidatas selecionadas para disputar o concurso Bailarina do Faustão, apenas seis são negras. O percentual de 10% é cinco vezes menor que de negros que habitam o país.

Notícias de pessoas descobertas em situações de invisibilidade como a que atinge garis e trabalhadores de limpeza também indicam que ela não teria a mesma sorte se tivesse a pele negra.

No mês passado, um jovem chamado Mike, de 22 anos, chamou a atenção de uma mulher que passou pelo semáforo onde ele pedia dinheiro, em Santo André (SP). A motorista estacionou o carro para ajudá-lo e mobilizou uma campanha no Facebook para que ele encontrasse a família. A história ganhou a imprensa e foi parar em programas de TV.

O drama de Mike é parecido com o de milhares de pessoas em situação de rua, com um diferencial. Mike é branco. Assim como as jovens Loemy Marques e Jéssica Pinto da Luz. A primeira é uma ex-modelo encontrada na região da Cracolândia, em São Paulo. A segunda vagava pelas ruas de Niterói e recebeu o apelido de “Mendigata”. Ambas ganharam de uma emissora de TV tratamento para se livrar da dependência química.

história mais notória é Rafael Nunes, o “mendigo gato” de Curitiba. Ele tornou-se conhecido de depois que sua foto viralizou no Facebook. A fama fez com que conseguisse ajuda para largar as drogas e reconstruir a vida.

Histórias como esses seriam esplêndidas se não beneficiassem apenas uma minoria branca e considerada bonita. Outros milhares de moradores de rua negros e com menos dentes na boca não tiveram e dificilmente terão a mesma sorte.

Muitos são mortos ou espancados sem que suas dores virem hashtags ou matérias emotivas em programas de TV dominicais. Outros caem no sistema prisional por motivos banais, como o catador de material reciclável Rafael Braga Vieira, preso durante as maniestações de 2013 por carregar uma garrafa de desinfetante.

São casos que mostram como a invibilidade é seletiva. Ter a pele branca, os olhos claros e os cabelos lisos podem funcionar como salvo conduto para livrar as pessoas do fundo do poço. Por outro lado, a pele negra condena ao ostracismo das ruas, embora seja bastante visível para as forças policiais.

A história de Rita Mattos é diferente das citadas acima, pois ela foi descoberta nas redes sociais, onde há tempos exibe o corpo malhado, não nas ruas, com o uniforme laranja da Comlurb. O alvoroço todo, inclusive, é devido ao trabalho de gari. Não fosse por isso, ela seria apenas mais uma beldade anônima a sensualizar e fazer duck faces na internet. 
Mesmo assim serve para refletir como determinados padrões estéticos funcionam como holofotes em segmentos sociais notórios pela invisibilidade."

Comentários

Telmo disse…

Todas invisibilidades do texto são importantes. Mas a que é mais preocupante é a do racista como vemos em:
http://saudepublicada.sul21.com.br/2014/10/01/debater-o-racismo-sem-o-racista-e-muito-complicado-ou-quase-impossivel/
http://saudepublicada.sul21.com.br/2014/10/17/a-invisibilidade-dos-negros-e-indesejavel-a-dos-racistas-e-paralisante/
Ulysses disse…
Branco "bonito" também é minoria e já é provado que ganham os melhores salários e por aí vai. Mas a maiora da população é de brancos pobres e feios não tem vez em nada nem em cota quando muito bolsa família rsrsr. Porque nunca vejo falar do privilégios do brancos ou pardos que são feios e pobres e tem aos milhões no Brasil. É só sair na rua vai achar um monte deles que também são discriminados desde salários pífios, arrumar um conjuge no mesmo padrão isso se arrumar é claro, ser mal atendidos ou terem que esperar a preferências por outros de melhor aparência ou financeiramente.

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