O espírito não carrega excesso de bagagem. Tudo o que não servir mais, coloque em uma caixa e jogue fora

Lara Brenner, Revista bula 

Não sei você, mas tem hora que me sinto meio intoxicada. Abro as gavetas e só vejo bagunça, reparo um trincado feioso no vidro do celular, futrico as maquiagens e descubro que várias já passaram da data de validade. Esbaforida, percebo que o relatório prometido para a sexta passada está atrasado — de novo! — e que a visita ao centro de caridade que me comprometi a fazer acabou ficando para o mês que vem.

Aflita, percebo estar atrasada. Abro a sapateira, o armário de roupas, o de cosméticos e os vejo abarrotados de objetos que não uso. Os livros que leria este ano ainda estão envoltos em um plástico irritante, ao lado das revistas semanais que se acumularam ao longo dos últimos meses. Metade de minha agenda está inconclusa, mas, de alguma forma, o dia já acabou. Dois segundos, já estamos em dezembro, parece até pegadinha do deus Chronos.

Quadros como esses merecem uma faxina e nada mais justo do que providenciá-la no último mês do ano. É sempre interessante faxinar a casa, o espírito e começar o próximo ano com o pé direito. Para isso, são necessários esfregão, música bem alta e alguns dias na agenda – de preferência uma semana inteira. Vamos “feng-shuizar” o ambiente.

Primeiro, o guarda-roupas. É bom tirar tudo lá de dentro e jogar em cima da cama, junto com todas as pessoas que integram o seu dia a dia. Faça uma criteriosa análise e selecione aquilo e aqueles que de fato merecem permanecer.

É importante ser honesto nessa hora, ou algumas peças e pessoas voltarão para lá por puro comodismo. Faz sentido guardar aquela calça 36 que não serve desde que você tinha 13 anos? É interessante manter a amizade com aquele colega de trabalho que se sente bem ao humilhar a faxineira todos os dias? Limpe o armário e devolva apenas o fundamental. Na primeira oportunidade que tiver, doe as roupas em mãos e abrace aquele que as receber. Elas podem ser peças importantes na faxina desse receptor. Já o colega de trabalho, bem… Não precisa doá-lo a ninguém!

Passe para a sapateira. Os sapatos são os responsáveis por conectar nossos pés ao chão. Talvez seja hora de repensar os pilares que norteiam a vida, a fim de checar se andam mesmo bem sólidos. Família, carreira, relacionamento afetivo, amizades, religião… Se as traças tiverem começado a agir, é hora de analisar a possibilidade de alguns sapatos serem reformados. Ah, sim, não dá para sair desfazendo de todos eles, afinal são nossos pilares! Alguns, quando devidamente limpos e reformados, são capazes de nos dar estabilidade e firmeza ao caminhar. Mas se o sapato incomoda demais, ou você simplesmente não os utiliza, talvez seja hora de repensá-los. Repensar o óbvio é fundamental.

Próximo passo: revistas e livros. Esses itens tendem a acumular poeira, mofo e energia parada. Você realmente lerá aquela revista de dois anos atrás? Será que não compensa passar aqueles livros já lidos para frente? Fora os que são de estimação, será que alguns não seriam mais úteis ao mundo se passados adiante? Já aproveite o embalo e tire a poeira dos que forem ficar. Quanto às revistas, recicle-as junto aos velhos hábitos. Há coisas que fazemos por inércia, no piloto automático, mas são absolutamente desnecessárias. Descubra caminhos diferentes no trânsito, substitua aquela novela por uma leitura interessante, troque o sábado de ócio por um trabalho voluntário. Enfim, lance novas perspectivas sobre tudo hoje e sempre.

Encaminhe-se ao banheiro e mexa nos armários. Certamente há produtos ali que você guarda há séculos, assim como aquelas dores e mágoas que sutilmente foram se acumulando de uns tempos para cá. Banheiro é lugar de limpeza e resolutividade, não um depósito de coisas inúteis. Veja que mágoas lhe têm causado incômodo, que perdões você não foi capaz de conceder, que palavras amargas foram proferidas ultimamente. Faxine geral e tome providências. Não faz sentido procurar a luz, escondendo um punhado de sombras em alguma gaveta perdida na alma.

Em uma de suas  crônicas, Lya Luft conta um episódio sobre a vida de sua mãe: “Minha mãe recentemente mudou do apartamento enorme em que morou a vida toda para um bem menorzinho. Teve que vender e doar mais da metade dos móveis e tranqueiras, que havia guardado e, mesmo tendo feito isso com certa dor, ao conquistar uma vida mais compacta e simplificada, rejuvenesceu”.

Final de ano tem cara de faxina, de colocar as coisas em dia e riscar velhas pendências da agenda e do espírito. Hora de levar o carro para a revisão, fazer check-up da saúde, esvaziar o escaninho, dar um corte no cabelo, ajustar as roupas na costureira, colocar a moldura no quadro encostado e finalmente ir tomar um vinho em companhia dos amigos com os quais você vive remarcando o encontro.

Quando tudo estiver limpo, abramos portas, braços e janelas, passemos nosso melhor perfume e caminhemos rumo ao sol do novo ano que se projeta. Afinal, de nada adianta pular sete ondinhas e esperar a felicidade de braços cruzados!

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