Por Maíra Vasconcelos, GGN -
Cada passo de dedicação ao meu interior é a conta de amor que dispenso aos chãos do mundo.
Não sei ainda sobre as gigantescas
molduras que circundam o cálculo de cada palavra. Quem escreve fica num
canto. Não irei descrever meu canto porque não sei e seria de inútil
importância. Não posso estabelecer noções dos passos dados a partir do
dia, daquele dia em que cortei meu corpo em vários e o coloquei sentado
nesta cadeira. Um corpo cuidadosamente cravado a escrever, como se já
gastado demais. Depois desse acontecer inadiável, nada sei. Quando irá
acabar? Pode ser amanhã. Fui proibida de sonhar o amanhã. Hoje sonhei
quando abri os olhos ao acordar e ao querer me tapar do sol. Depois, fui
apenas passar o dia e suas horas claras e escuras. Alternando.
Agora escrevo sem qualquer amparo e
consequência de mim mesma. A palavra é tudo o que já disse e ainda o que
verei dela posta em meu corpo. Ainda mais haverá, ainda mais
ressurgirá. Em cada passo: um-atrás-do-outro. Sim. Mas agora estou cheia
de desvios como um rio a cada segundo. Passando de raspão pela palavra,
todos os dias, quase sem poder encará-la porque essa ainda hora não
chegou. Não sei ao menos se a conheço, talvez nunca tenha feito mais que
cumprimentar a palavra. Que tremor, se hei de francamente dar-me tão
intimamente a ti. Que tremor nos ossos. Nesse amontoado de ossos que nos
incomodam, é claro. Mas passando de raspão pela palavra, em meio ao
despautério de uma dedicação a mim mesma: eu vivo, sim, eu vivo.
Afinal, quem sou para dizer sobre esse
todo que tanto gira? O fazer da escrita é impalpável. Nesse círculo,
estou muito pequena e irreal, ainda – um inseto é meu parâmetro de
existência dentro da palavra. Tudo isso que repassa e transpassa a
tarefa da escrita, não sei. De novo, não sei. E não saber é prazeroso, é
lívido. Como é frutuoso não saber!, perder-se de todas as tradicionais
lições e determinantes conhecimentos – respiro flores impensadas. Em
cada passo. Necessito a intuição e a percepção, e junto a elas não posso
nada querer saber. Quiçá, contemplarei o infinito de uma paisagem
impossível de ser possuída.
Talvez, chegar ao amanhã. Mesmo entre
flores arremessadas aos chãos, animais arduamente resguardados, animais
gritando como se não pudessem viver como querem. Talvez, chegar ao
amanhã. Mas escreve-se calado e recolhido demais, então ninguém sabe o
que é. O absurdo da reclusão. Se somos um bicho estranho e acariciável,
ou um humano desconjuntado e medroso demais. Ariscos ao mundo porque o
mundo nos reclama. E no todo de um passo, cada lado. Alternando.
Com enorme e bestial descuido, às vezes.
E sem admitir o radicalismo de toda sensibilidade. Sen-si-bi-li-da-de.
Quem dela desejará viver? Viver disso que é um desconhecimento e uma
descoberta constantes, viver disso que deixa tudo diferente das horas
dos relógios que todos seguem e repetem. Quem dela desejará viver?
Porque talvez eu quisesse viver para além dessa redoma, desse lugar
distante, às vezes, até mesmo longe de mim. Sim. Mas agora tento dar ao
sensível tantas palavras e ares e gracejos, tudo o que jamais entregaria
a mim mesma, tão dispersa que sou, tão displicente que sou, mas tão
viva devo amar meu profundo insaciável. Em cada passo. Respiro flores
impensadas.
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