Já reparou? Está cada vez mais difícil se comunicar com palavras




por Ricardo Kotscho, Balaio do Kotscho -

Para deflagrar a guerra, basta uma palavra, mas para restabelecer a paz muitas vezes milhões de palavras não são suficientes.

Nesta época da grande revolução nas comunicações sociais, a maior desde que Gutemberg inventou a imprensa, com as informações globalizadas online e full-time na internet, parece que nunca foi tão difícil se fazer entender.

Você diz uma coisa e o interlocutor entende outra, às vezes antagônica, e estabelece-se um diálogo de surdos, com as pessoas falando cada vez mais alto para vencer a batalha verbal.

Seja falando de viva voz ou por escrito nos 140 caracteres do twitter, nas palavras abreviadas do whatsapp, nas mesas redondas de futebol na televisão ou no papo de boteco, a cacofonia de letras e sons torna os diálogos cada vez menos inteligíveis.

Todo mundo quer ter razão e nem presta atenção no que o outro está dizendo.
Não é que estamos ficando todos surdos ou cegos, mas é que não ouvem ou leem aquilo que a gente quis dizer.

Pouco importa o que você fala, o outro já tem uma opinião formada, tanto faz qual seja o assunto, e é definitiva.

Nada muda o pensamento do dono da verdade, como se pode notar nos comentários enviados pelos internautas para este blog, ou qualquer outro nas redes sociais.

Também não interessa o que você escreveu, que muitas vezes nem é lido até o fim.

O cara bate o olho no assunto do título e manda ver, geralmente repetindo sempre as mesmas verdades absolutas. O diálogo se torna inviável.
É como acontece no Supremo Tribunal Federal em que cada ministro interpreta as palavras da Constituição a seu modo particular.

Seja sobre futebol ou política, o tempo que está fazendo lá fora ou a moça passando na janela, estabelece-se o conflito, que não leva a lugar nenhum.

Ninguém admite mudar de ideia, todos estão convictos das suas certezas, tanto faz se estão falando baseados em fake news ou hard news. Os fatos que se danem, o que vale é o que eu penso.

A leviandade com que se fazem acusações e maledicências nos comentários é assustadora, sem falar nos kkkkkkkkkkk e rsrsrsrsrs daqueles que se acham grandes humoristas.

O resultado de tudo isso é a incomunicabilidade cada vez maior nas relações humanas, pois inventam fantasias as mais absurdas, e acabam acreditando nelas, de tanto repeti-las.

Fico pensando no trabalho insano que terão os historiadores do futuro para entender em que língua falavam os humanóides deste início do século 21.

“Não foi isso que eu quis dizer” é o que mais se ouve nestas conversas em que um nem presta atenção no que o outro fala.

E não são só os políticos que desmentem o que acabaram de falar antes ou reclamam que foram mal interpretados.

As palavras foram perdendo a força e o sentido, são meros adereços descartáveis, simplesmente não são mais respeitadas no seu significado original.

Um princípio básico da comunicação ensina que ela só se dá quando uma pessoa exprime uma ideia e a outra entende o que ela quis dizer.

Isso vale tanto para uma campanha eleitoral como para discussões familiares ou entre amigos.

Se eu falo uma coisa e você quer entender outra, a priori, não há comunicação possível.

Dessa forma, as pessoas vão se afastando cada vez mais umas das outras e os silêncios se estabelecem no lugar do diálogo que poderia levar a um entendimento.

Perde-se assim a principal diferença entre os homens e os quadrúpedes.

Um bom exemplo dessa incomunicabilidade vemos agora na Copa do Mundo nas discussões entre juízes e jogadores.

Não sei se existe uma língua oficial do futebol, imagino que seja o inglês, mas nem todos falam este idioma.

Como é que o juiz da Croácia vai advertir um jogador do Panamá ou explicar o pênalti que acabou de marcar?

É assim que me sinto ao tentar explicar a importância e a beleza da democracia e da liberdade a alguém que defende a tortura como método de persuasão.

De que adianta tentar convencer um motorista de táxi de que aquilo que ele ouviu de outro passageiro não existe, não é verdade, nunca aconteceu?

Como a vida é dura e o mundo é cruel com quem não sabe amar nem perdoar quem errou, os infelizes se refugiam nas suas fantasias para culpar os outros pelos seus infortúnios.

Palavras, palavras, palavras, para que servem ainda?

O mais incrível nesta história é que, quanto mais a tecnologia avança, multiplicando e tornando mais rápidos os meios de comunicação, menos as pessoas se conseguem fazer entender.

Talvez esteja aí a razão de tanta violência verbal, que no limite acaba levando às ofensas, à troca de tiros e às balas perdidas, às guerras e aos conflitos sem fim, que destroem famílias e sonhos, países e instituições.

Palavras como compaixão, solidariedade, idealismo, carinho, respeito, bem querer, entendimento, paz e bem, e tantas outras do gênero, foram sumindo do vocabulário, viraram coisa de antigamente, frescura de poeta.

Quem não se comunica se trumbica, era o bordão do grande Chacrinha, que morreu há exatos trinta anos, fazendo muito sucesso e achando que era um incompreendido.

Vida que segue.

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