Dois meses para a posse: a eleição acabou, agora é hora de tocar a vida. De que jeito?


por Ricardo Kotscho, Balaio do Kotscho -

“Quando, no futuro, escreverem a história destes tempos estranhos, um capítulo inteiro _ ou, vá lá, uma nota de pé de página _ terá que ser sobre os omissos. (…) No fim, o ódio ao PT foi maior que o amor pela democracia” (Luiz Fernando Veríssimo, em O Globo, 1/11/2018).

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2018 acabou. Com um governo moribundo em Brasília, fingindo que governa, e outro sendo parido na Barra da Tijuca, e já governando de fato, vamos agora ter que encarar dois longos meses até a posse em 1º janeiro.

Até lá, vai ser difícil comprar ou vender qualquer coisa, arrumar um emprego e planejar o próximo ano.

Mal refeitos dos sustos e da ressaca da campanha mais esquizofrênica da história, agora é hora de tocar a vida como dá, e esperar para ver o que acontece.

A eleição acabou, os votos foram contabilizados, e não podemos continuar nesta guerra permanente entre vencedores e derrotados, mas está difícil.

Na seção de leitores nos jornais, no Facebook e nas áreas de comentários na internet, a eleição ainda não acabou.

Nos discursos e entrevistas do presidente eleito e do que sobrou da oposição, a eleição também não acabou ainda.

Estão todos disputando um terceiro turno virtual, enquanto o país afunda cada vez mais na crise econômica.

Em levantamento publicado pela Folha neste sábado, sobre os temas mais comentados por Jair Bolsonaro, 15% é de críticas ao PT e à esquerda, com ameaças variadas. Só 8% foram dedicados a reformas ministeriais e econômicas.

Com a esquerda mais dividida do que nunca, fala-se muito em “resistência democrática”, sem que ninguém consiga me explicar do que se trata, enquanto um fica xingando o outro e o culpando pela derrota.

O tema do desemprego de mais de 12,5 milhões de brasileiros, com quatro em cada dez trabalhadores na informalidade (sem registro, sem carteira e sem direitos), ainda não entrou na pauta de ninguém.

Estamos no breu, no mato sem cachorro, sem ter a quem recorrer para saber o que será feito das nossas vidas.

Depois de prestar relevantes serviços à campanha vitoriosa, o juiz Moro foi promovido a grande xerife para acabar com a corrupção e a violência.

É o que temos de mais importante até agora, enquanto fundem e desfundem ministérios, como se a administração pública fosse uma grande feira livre que a cada dia muda de lugar.

Outro juiz, o celerado Wilson Witzel, eleito Governador do Rio, já providenciou a abertura de cinco mil valas num cemitério para abrigar os traficantes que prometeu “abater” com a convocação de atiradores de elite..

Em São Paulo, João Doria deve ter gostado da ideia porque durante toda a campanha só falou segurança pública e combate à violência a qualquer preço, como se não tivéssemos nenhum outro problema.

Acabar com a bandidagem parece ser o único grande objetivo dos eleitos da nova ordem, que ainda continuam com seus discursos beligerantes da campanha eleitoral, e até agora não apresentaram um único programa concreto de combate ao desemprego.

Vá ver que para eles a matança generalizada pode diminuir o número de desempregados e aumentar a renda per capita, com menos gente para dividir o bolo.

A única voz lúcida e serena que encontrei no noticiário bélico de hoje foi a do teólogo, filósofo, escritor e meu amigo Leonardo Boff, na Folha:

“A situação é tão dramática que precisamos de uma Arca de Noé onde todos nós possamos nos abrigar (…) para não sermos tragados pelo dilúvio da irracionalidade”.

Resta saber quem se encarregará de montar esta Arca de Noé e como será feita a seleção de passageiros.

Veríssimo poderá embarcar os omissos já arrependidos que foram cuidar das suas hortas enquanto o país decidia seu destino.

Mas é bom ir logo ou essa arca correrá o risco de afundar devido à superlotação.

Vida que segue.

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